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quinta-feira, 8 de junho de 2006

“A Psicose da Saúde Pública!”

Qualquer pessoa tem em princípio direito à dita saúde tendencialmente gratuita através do vigente Sistema Nacional de Saúde. Focalizando a saúde especificamente na área mental, qualquer pessoa tem o direito por exemplo a usufruir de consultas de Psiquiatria e Psicologia, tal como tem direito a consultas de clínica geral.
O que acontece é que se um cidadão do concelho de Albergaria-a-Velha necessitar de ir ao médico de clínica geral pode ir ao respectivo médico de família nas Extensões de Saúde ou no Centro de Saúde ao respectivo médico ou no caso de uma urgência ao médico de serviço no Serviço de Atendimento Permanente (se este ainda existir…).
Se esse mesmo cidadão necessitar de ir a uma consulta de Psicologia, ir ao Centro de Saúde ou a uma Extensão de Saúde serve (ou deveria servir) para entrar numa lista de espera, em princípio para o Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro.
Pois é, parece que até aqui está tudo relativamente bem, mas mesmo dentro dessa relatividade, é interessante classificar como tendencialmente gratuito um serviço cuja existência não é propriamente ao lado de casa…
Depois de esse cidadão ter sido contemplado com um devido encaminhamento, o próprio prestador de cuidados de saúde que o encaminhou (ou tentou encaminhar) pode vir a descobrir que afinal isso não é neste momento possível, pois a referida lista de espera pode estar parada e não estar de momento a aceitar mais pacientes!
No caso do referido cidadão ser aceite na dita lista, pode então ter que esperar longos e duros meses de potencial agravamento patológico… Quando finalmente for marcada uma consulta de Psicologia, o mais normal é que independentemente da gravidade do caso ou de características singulares do mesmo que indicassem uma adequação de frequência regular de sessões (por exemplo 1 vez por semana), o cidadão fica a saber que isso também não é possível naquele mesmo serviço (o melhor que pode esperar é 1 vez por mês), que parece exigir aos técnicos que se desdobrem em esforços e atendam o maior número possível de pacientes em vez de os atenderem com qualidade assertiva!
Mas, o que realmente é preocupante não é o funcionamento pouco exemplar do Sistema, mas sim as consequências que ele provoca quer ao nível individual e familiar, quer a um nível mais holístico de toda uma sociedade portuguesa.
Se o dito cidadão tiver uma fractura óssea essa entidade patológica é em princípio encarada com assertividade, procedendo-se de imediato de acordo com o que se avaliar como sendo o mais adequado para esse caso específico. Se por outro lado esse mesmo cidadão estiver inserido num quadro depressivo severo com fortes características suicidas terá que esperar para ver… Se por acaso chegar a ser atendido no referido Sistema tendencialmente gratuito, a sua patologia pode não ser abordada da forma mais adequada (não por desejo dos técnicos), o que se pode revelar ameaçador para o sustento vital do indivíduo.
Já para não referir os custos elevados a todos os níveis, desde o financeiro, ao psíquico e ao social. Exemplo: o dito cidadão com quadro depressivo severo ao percorrer todo o referido e moroso processo vai estar disfuncional e improdutivo durante um período de tempo que poderia ser significativamente minimizado… Basta agora multiplicar esse cidadão por tantos outros com as mais diversas psicopatologias e com certeza irão ter um devastador resultado final. Isto ainda acreditando que será minimamente eficiente e eficaz a intervenção psicológica no Hospital já referido.
O que me parece certo é que o actual Sistema gasta demasiado dinheiro aos contribuintes por negligência política e legislativa. O pior é que a grande maioria desses elevados custos advém não do processo em si, mas sim das suas consequências ao nível do não tratamento adequado dos maus funcionamentos individuais ao nível da especificidade das patologias de carácter mental.
Não querem pagar a mais técnicos porque isso seria demasiado dispendioso para o actual e já debilitado Sistema, preferem pagar progressivamente mais caro do que aquilo que realmente lhes aparenta. Os custos a longo prazo são já neste momento irreparáveis, e não vejo medidas propícias a pelo menos remediar um pouco que seja esse mal instalado. Parece-me tão claro que a patologia psíquica mais severa é aquela que só permite ver a realidade com distorção tal que o funcionamento perante a mesma se torna altamente inadequado, essa é a psicose da nossa Saúde Pública, que pensa estar a poupar não passando isso de uma terrível alucinação.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 09/05/2006

1 comentário:

Ricardo Pina disse...

A seriedade com que se encara uma patologia orgânica não é em todo semelhante à importância que se atribui a um distúrbio ou disarmonia psicológicas...
Esse é um conceito marcante na mentalidade popular e não poderia deixar de se manifestar nos sistemas organizacionais, como o de saúde...
Cada vez caminhamos mais para uma «biologização» do Homem, das suas virtudes e do seu sofrimento, negligenciando completamente os prismas da abordagem psicológica e a riqueza da sua intervenção.
A meu ver, o estado organizacional que referiu no seu blog é um reflexo directo da percepção que o ser humano, por defesa ou convicção, tem de si mesmo... Um corpo que é tratado pelos médicos e uma alma tratada por Deus...