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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

“Exteriorização real ou fantasmática?”


Entre o pensar que se exterioriza e o exteriorizar-se de facto, existem diferenças significativas no funcionamento mental de cada uma das formas de “pseudo-exteriorização” (ou “exteriorização fantasmática” ou “exteriorização/internalização psicóticas”) e exteriorização real (materialização da exposição da realidade intrapsíquica ao mundo externo).

Na exteriorização real, o indivíduo atinge um nível real de contacto com o mundo externo e com os objectos que o compõem, o mundo da “realidade partilhada” pelos demais. Na “exteriorização fantasmática” o sujeito pode até pensar que comunicou com o “exterior”, mas o que de facto fez foi construir em si e através de si próprio uma continuação da realidade intrapsíquica anterior como se esta fosse proveniente da relação com conteúdos externos. Assim, por via de um potencial padrão relacional induzido/imprimido pelo meio externo primário (em consonância com as características idiossincráticas pessoais), o sujeito pode elaborar um padrão relacional psicótico (inconsciente) como forma privilegiada de se “relacionar” consigo e com o mundo.

Esse padrão de relacionamento (ou da falta dele) com a “realidade partilhada”, na forma tradicionalmente inconsciente, pode levar o indivíduo a ter a consciência que a “verdade” formulada intrapsiquicamente é compatível com a “realidade partilhada”, não se apercebendo assim que essa é uma “realidade auto-construída” e não uma que se construiu em contacto com os frutos relacionais “verdadeiros aos olhos dos outros”.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 14/10/2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

“Cuidado, eles podem não saber o que fazem…”


O objectivo deste escrito, pretende ser apenas um fomento para a discussão, que apelido de alerta. É de “estados auto e hetero (pseudo?) hipnóticos” induzidos de forma espontânea e não intencional, e logo em ambiente nada controlado, que vos pretendo falar. Da delicadeza e hipotética subjectividade a que este tema não consegue escapar, tentarei contribuir para que se possa perceber na prática do que se trata. Unicamente para que não se complexifique em demasia esta abordagem, irei deixar de lado todos os estados induzidos cuja fonte seja de indução externa ao nível de substâncias que activam e alteram o funcionamento neuronal, as vulgas drogas, lícitas ou ilícitas.

Assim, para que seja possível que se induza ao próprio ou a outros um “estado hipnótico” de forma inconsciente, espontânea, e não intencional, é necessário que as características do objecto/pessoa, em que é induzido tal estado, sejam propícias ou até adequadas a esse feito, isto é, a globalidade estimulante (interna e/ou externa) percebida pelo receptor em conjugação com as suas predisposições idiossincráticas são os principais determinantes da possibilidade de alguém se auto hipnotizar “sem querer” ou de ser hipnotizado “pelo meio” também sem o meio ter essa intenção clara de ser um meio hipnotizador e/ou hipnotizante.

A discussão do parágrafo anterior, é exemplificativa da generalização base para a fundamentação do tema, mas o meu objectivo compromete-me a ser mais específico.

Vejamos então o seguinte exemplo, para tipificar a “hetero indução hipnótica descontrolada”.

É prática comum (e até significativamente aceite pela comunidade clínica e científica) o uso do dito “relaxamento” como forma técnica de complemento terapêutico, como forma técnica de complemento de aulas de “yoga”, como forma técnica isolada para atingir os efeitos a que o próprio nome se propõe, e em tantas outras quase vulgarizadas situações. Claro que existem diversas tipologias para a técnica de relaxamento, mas para este exemplo serve-nos basearmo-nos apenas no “relaxamento conduzido” quer por “técnico qualificado”, quer por “técnico sem qualificação”. O “relaxamento conduzido” pode ser o estimulante particular do mundo externo que permite desencadear o “sono hipnótico” no indivíduo cujas especificidades o levem a “perceber” esse estímulo como um “alheador” eficaz da realidade que pode ser encontrada quer no estado de vigília, quer no estado de sono, ou seja, situa o individuo num estado “provisório (e/ou permanente)” da área de transferência vigília/sono, que é aquele específico momento em que “sabemos” que ainda estamos acordados e ao mesmo tempo já estamos a dormir (será de boa conveniência recordar que a primeira fase de sono é a do “sono profundo”). Se para a maioria das pessoas o “relaxamento conduzido” produz os efeitos benéficos a que ele se destina, existem pessoas que a “viagem conduzida” os leva a entrarem em “hipnose pura”. O problema, grave, é que na grande maioria das vezes em que isso acontece nem o técnico, nem a pessoa “relaxada” se apercebem que algo não correu como o previsto (até porque muitos relaxamentos são feitos em grupo), e que aquilo que era suposto ser um “mero” relaxamento acabou numa hipnose não intencional. As consequências de uma ocorrência deste tipo são quase incalculáveis, visto que os estados hipnóticos permitem tanto curar um doente como adoecer um saudável. Ora se nem sequer se chega a saber que esse estado foi induzido, tanto pior, pois fica ao sabor do vento, a sugestionabilidade activa e activada sem se querer, isto é, a pessoa pode desde ser “acordada indevidamente” até ser deixada no próprio estado hipnótico sem se ter essa noção.

E, o seguinte exemplo, para tipificar a “auto indução hipnótica inconsciente”.

Uma festa de transe, uma noite numa discoteca, uma ida a um concerto, tal como, uma sala de aula, um ambiente familiar ou um ambiente inóspito, ou ainda, um simples pensamento, uma lembrança ou recordação, etc. Qualquer um pode servir com a mesma “perfeição” para desencadear um processo (“auto-hipnose”) que depois passa a ser (quase) exclusivamente intrapsíquico, isto é, um determinado tipo de situação externa/interna pode ser entendida pelo indivíduo como “adequada” para que ele utilize uma técnica que desconhece que possui como estratégia de adequação mental às “exigências” que percebe do meio/de si próprio. Muitas vezes são relatados como “apagões” e a pessoa nem se lembra de ter estado em determinado local por determinado período de tempo (lembrem-se, sem o efeito de qualquer tipo de drogas/substâncias externas).

É claro que convém alertar que não é comum, ou o vulgarmente referido como normal, que isto aconteça, quer na forma auto, quer na forma hetero induzidas. Uma das características que pode propiciar a elevação e potenciação das possibilidades de indução de estados hipnóticos não intencionais (que podem ser, “bem ou mal”(?), confundidos com estados psicóticos ocasionais/esporádicos), são as características do foro psicótico, já que essas características (embora predispostas ao objecto/pessoa) para se tornarem evidentes necessitam muitas vezes de serem alimentadas ao longo da vida (apesar de existirem casos de psicoses graves que se tornam evidentes desde “demasiado cedo”). Essa alimentação é nalguns casos dirigida à perturbação e/ou destrutividade afectiva/relacional, que no caso de existir a tal predisposição psicótica, esse tipo de características evidenciam-se com intenções diversas de “homeostase afectiva/relacional” ou de “equilíbrio humanamente suportável”, ou seja, o indivíduo utiliza o seu psicotismo (ex. alheamento da pseudo realidade externa, construindo uma realidade mental mais suportável e alternativa à anterior) como defesa e em defesa da preservação dos afectos, mesmo que já “infligidos”.

Esta variante de manifestação psicótica de conjunturas de alheação do mundo externo, formalizadas pelo indivíduo em material psíquico onde a realidade idiossincrática passa a realidade (auto) geral, na prática envolvem momentos de “sono hipnótico”, cuja percepção que a pessoa tem de si própria, e a que os objectos/pessoas externos têm dela, não é muitas vezes suficientemente assertiva para que seja possível aperceberem-se que tipo de estado mental se encontra em funcionamento a dada altura e em momentos bem definidos.

No entanto, é ainda necessário referenciar que tanto quanto for “permitido”, podem e devem ser efectuadas medidas preventivas (mais do que remediativas), pelo menos no que respeita às actividades clínicas que possam induzir estados mentais/hipnóticos não intencionais, e logo não desejáveis. Ou seja, no caso do exemplo do “relaxamento conduzido” enquanto ferramenta complementar de trabalho terapêutico, este deve ser implementado apenas após uma análise ampla e cuidada de cada indivíduo da preexistência de características propícias à indução hipnótica não intencional, caso contrário poderá trazer consequências muito indesejáveis para o “relaxado”. No meu entender, para além disso deveriam também ser fomentadas medidas de regulamentação do exercício de práticas não clínicas de “relaxamento”, pelas mesmas razões referidas anteriormente. Não querendo centrar a questão no exemplo do “relaxamento”, ainda assim apraz-me dizer que uma técnica como esta, aparentemente ingénua e inofensiva, pode tornar-se um mecanismo muito eficaz de indução hipnótica não intencional em objectos/pessoas predispostas, e logo uma ferramenta que pode ser amplamente perigosa e altamente nefasta.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 30/09/2008