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quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

“Nojo e luto...”

Quando existem motivos suficientemente fortes para provocar o nojo, infelizmente nem sempre esses mesmos motivos são desencadeadores do processo de luto normal, luto este necessário para que toda a conjuntura psíquica desagradável seja realmente ultrapassada de forma considerada normal (entenda-se por nojo ou luto toda a dinâmica global desagradável ,que incluí tristeza e/ou mágoa e/ou pesar e/ou desgosto e/ou repugnância e/ou entre outros, devido à morte ou perda de um ente querido).
Assim, um indivíduo pode sentir nojo ou luto, mas não entrar num processo de luto dito normal. O processo de luto normal pode ser caracterizado por quatro etapas interrelacionadas e graduais, que normalmente têm a seguinte ordem temporal: choque e negação, protesto e dor, desespero, e, aceitação. A duração de um luto normal é altamente variável consoante todo o conjunto de parâmetros existentes, no entanto por norma não ultrapassa os 12 meses. As características sintomáticas mais comuns são algo semelhantes a algumas da depressão patológica (tristeza, choro fácil, perda de peso, falta de apetite, insónia, etc.), mas esses sintomas são considerados normais devido à origem (morte ou perda de um ente querido).
O que normalmente difere um luto patológico de um normal é que no patológico, para além de tudo o que se considera comum acontecer (descrito sucintamente acima), o indivíduo pode apresentar: tendência para se culpabilizar acerca das causas da morte ou da perda do ente querido e/ou pelo que poderia ter sido feito para evitar o sucedido; ideação de morte exclusivamente de substituição e/ou de solidariedade, isto é, querer substituir o ente que morreu por ele próprio e/ou querer morrer com ele; lentificação psicomotora persistente; desvalorização da morte e/ou perda; perda significativa da funcionalidade de forma persistente e prolongada nos diversos contextos de vida; alucinações relativas à voz ou imagem do ente que morreu ou que se perdeu.
Uma outra característica de qualquer tipo de luto é a imutabilidade do sucedido, e a consequente inevitabilidade do sofrimento causado. A forma de lidar com o sofrimento torna-se assim o foco principal de toda a conjuntura que está envolvida no luto e no seu respectivo processo. Ou seja, o luto não pode ser evitado e tem que ser necessariamente vivenciado, o importante é conseguir, na medida do possível, viver o sofrimento causado da forma mais assertiva e adequada possível. Isto é, por exemplo, negar aquando do choque, protestar a perda e/ou morte, viver a dor inevitável, desesperar, e, aceitar a condição imposta pela vida: a morte e/ou perda. Pode ser caminho para o luto patológico, por exemplo, persistir na negação do sucedido, tentar evitar e/ou camuflar e/ou negar o sofrimento, tentar não desesperar se assim o tem que ser, não aceitar a seu tempo o que se passou.É ainda de realçar que a vivência idiossincrática de cada luto específico, pressupõe especificidades que são importantes considerar, às vezes mais do que as generalidades acima descritas. Existem muitas pessoas que consideram precisar de ajuda profissional mesmo para ultrapassar um processo de luto dito normal, e outras, que se poderiam considerar em luto dito patológico não necessitariam dessa ajuda. Claro que por norma e salvo raras excepções, um luto patológico requer ajuda profissional, pois as consequências da não ajuda são quase sempre nefastas para a vida do indivíduo em processo de luto e para os que mais próximo dele se situam. Basta ter em conta exemplos reais como: o indivíduo que persiste na fixação que a morte do ente querido foi culpa sua e que acha que deve morrer também, nem que para isso tenha que se matar; ou naquele outro que depois da morte de um ente querido nunca mais foi capaz de trabalhar, isto 17 meses depois; ou ainda aquele que realiza as suas actividades diárias como se o ente querido ainda estivesse vivo, quando este já faleceu à mais de 10 anos; e tantos outros. De qualquer forma a ajuda profissional, quando bem orientada, é normalmente bastante eficaz e produtiva neste tipo de casos.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 19/07/2005

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