Bem vindo(a) ao PsicologiAveiro, o blog do ITAPA.
Artigos principalmente sobre Psicologia Clínica de Orientação Analítica e Psicanálise.

quinta-feira, 27 de março de 2008

“Já não aguento mais…”


“Chegou, cegou, aquele momento, em que o tempo não é tempo, em que o olho não me vê por dentro, ainda que apenas sinta esta dor sem fim…”

“É certo que é um mal de amor, um mal do coração, mas já não aguento mais isto, este ter que pensar sem querer, este ter que sentir sem poder, esta ausência de controlo de mim e do que quero ser…”

“Tenho vergonha do que sinto, e mais ainda de sofrer, de berrar aos gritos e de chorar sem saber… Parece mesmo que ninguém ouve ou jamais poderá ter a capacidade de ouvir, talvez seja porque o que sinto nem de urros berros se possibilitará de sentir…”

“Não posso admitir que estou frágil, se sempre me incutiram a ser forte mesmo quando toda a casa já há muito que tombou, e assim violento o mundo que me envolve para que ele não perceba o quão fraco(a) estou, o quão fraco(a) sou… e assim, defendo-me do mundo aversivo, sentimento intrusivo, com fortes ataques de raiva e ódio de amor…”

“Não, não posso, nem consigo, controlar e dirigir a minha vida, se toda ela é dirigida para e pelo sentimento que um dia gostei de ter, que hoje me atormenta não o poder decapitar…”

“Decapitá-lo, era isso que eu mais queria… resta saber se ao outro, se ao sentimento, se a mim…”

“Queria… melhor, quero apenas poder passar cinco minutos sem pensar naquilo que não quero pensar, encontrar paz, desaparecer… se o sentimento vai sempre comigo, então eu vou juntamente com o sentimento… mas, para onde? Se já estou mais morto(a) que vivo(a)…”

“Ao mesmo tempo que desejo ter uma pistola apontada à cabeça, também me apercebo que já é assim mesmo que me sinto, encurralado(a) por um tiro que desejo dar, por uma pistola que desejo encontrar, mas que não a quero ter que sentir…”

“E então? Nem morro nem vivo?”

“Ou será isto que é viver?”

“Está bem que não é possível, jamais, voltar a sentir-me como antes, tal como o mesmo poderá ser dito no futuro sobre o que sinto agora, mas não é também isso que me consola, nem é isso que me atormenta… o pior é o desejo de não desejar, porque o que desejo, e se o obter, se o concretizar, irá, ou poderá certamente piorar o que sinto… ou melhor, sinto-me assim porque quero o que ele(a) não me pode dar: um ele(a) ideal, sem defeitos nem feitios, sem dores… e desejar a ausência de dor será o mesmo que desejar não viver, porque não se vive sem sentir, e não se sente sem dor…”

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 25/03/2008

sexta-feira, 14 de março de 2008

“A Ingenuidade e a Genuinidade da Besta...”



Não procuro encontrar no encontro das minhas palavras com a leitura das mesmas, um processo pelo qual se pretendem fazer valer ensinamentos concretos (ou sequer mesmo ensinamentos em si), de objectividade de valência transmissiva daquele tipo de conhecimento que por alguns (e pela sua potencial necessidade de minimização da incerteza e consequente ansiedade proveniente) só o é quando positivista, baseado (talvez) em modelos prévios e padronizados do que foi, do que é, e do que por eles é pretendido e desejado que a ciência seja: uma ciência positiva.

A aplicação da técnica científica na prática clínica psicológica é um processo que indubitavelmente está e estará associado à envolvência complexa do “domínio” da subjectividade-objectiva da “técnica de aplicação da própria técnica científica”: a arte da aplicação da técnica cientifica pela própria arte.

Será assim tão escuro esse negro?

Não deverá ser suposto expectar ouvir respostas quando o que se faz são apenas perguntas, pelo menos as minhas respostas, pois são as vossas que a vós mais vos interessam, independentemente da qualidade auto-classificativa que nelas se sentem a sentir.

Exigir compreender?

A liberdade da (para a) “Besta Primitiva” é a “Sua” própria angústia de liberdade (libertação)?

Sou o que sou(?) também sendo o que sinto?

Se não há a aceitação por uns, há a compreensão dessa dimensão por outros?

Não pretendo, “aqui”, ser científico (“positivo”), se não é essa a forma, se não é esse o caminho, se não é esse o conteúdo, se não é isso que mais preponderância valorativa tem para compreender “o que sinto de ti”.

Como exigir uma outra forma “que não sou”? O valor da génese genuina independentemente da sua produção final...

Adaptar, quando se pretende libertar a “Besta”?

Aceitar, a existência tantas vezes frustrante do existir das “barbaridades”?

Não querer ser só a “Besta em Liberdade”, nem ser só ela na sua “Prisão”, mas não querer também que ela não exista quando é indissociável (d)a sua existência... não será querer ser mais (ou menos) do algo que (não) são?

Ninguém tem a obrigação de conhecer o que de si lhe é “intencionalmente desconhecido”. “Não sei ser outro que não este EU total e repartido”.



Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 12/03/2008