Numa altura do ano em que os fogos florestais fazem parte da nossa vida diária, será conveniente alertar para uma perspectiva específica da realidade global que se apresenta: o fogo posto pelo prazer de ver arder.
Ou seja, não se trata de fazer uma abordagem generalizada dos fogos que se iniciam pela mão humana de forma intencional, mas sim remeter a abordagem ao que se designa por piromania. Deste modo todas as outras formas de fogo posto que não as incluídas nesta perturbação não serão abordadas.
As pessoas com perturbação piromaníaca têm um comportamento incendiário de forma intencional e deliberada (e, muitas vezes com grau elevado de premeditação), ocorrendo várias vezes ao longo da vida. São pessoas que antes da acção comportamental incendiária experienciam um aumento significativo da tensão, e que, normalmente se sentem aliviados (libertos de tensão) após consumado o acto inicial (pôr fogo). São indivíduos que por norma sentem fascínio, interesse, curiosidade e/ou atracção pelo fogo em si e pelos contextos em que ele ocorre (para estas pessoas ver um fogo pode ser uma actividade muito prazerosa).
O que realmente distingue estes incendiários com patologia piromaníaca dos outros incendiários intencionais (patológicos ou não) é que os indivíduos com piromania não ateiam os incêndios com objectivos lucrativos (financeiros ou outros), nem para marcar posições políticas ou sociais, nem para demonstrarem a sua ira ou vingança, nem para melhorar as suas condições de vida, nem mesmo como consequência de questões alucinatórias ou ideias delirantes (e outros). Na piromania os incêndios são ateados pelo prazer de ver arder, pelo prazer do fogo em si, pelo gosto em ver o poder destrutivo causado em propriedades e florestas, pelo prazer dos resultados finais...
Uma outra característica importante destas pessoas refere-se à sua incapacidade avaliativa sobre as consequências dos actos cometidos por si numa perspectiva de avaliação que se considera a normal. Ou seja, a sua avaliação das consequências tem uma dimensão exclusivista (no sentido do prazer dos resultados obtidos pela consumação do fogo posto), que não lhe permite olhar para a realidade de outra forma que não essa, a sua perspectiva reducionista e distorcida da realidade.
Apesar de não existirem dados conclusivos quanto a características etárias da patologia sabe-se que quando ela existe na adolescência está normalmente associada a outras patologias como as perturbações do comportamento, as perturbações de hiperactividade com défice de atenção e as perturbações da adaptação. Isto é, a piromania pode ver-se como perturbação pseudo-isolada, como perturbação associada ou como forma sintomatológica.
Felizmente para nós este tipo de patologia pode-se considerar rara, mas mesmo assumir isso é inconclusivo, pois a informação nesse sentido não me parece de todo suficiente. Por exemplo, ao olhar para o panorama nacional de incêndios e para a investigação muitas vezes inconclusiva das origens dos incêndios, a possibilidade de legitimar um número de incendiários piromaníacos aproximado à realidade esvais-se.
Assim, parece-me obvio que, independentemente da tipologia da prevenção existente na questão dos incêndios, não se conhece a realidade de forma suficiente para que se possa produzir um sistema de prevenção mais eficaz, pelo menos no que se refere à prevenção da percentagem de fogo posto. Ou seja, se não se conhece sequer quem incendeia (ou mesmo se é alguém que incendeia ou se são causas naturais), não se pode determinar o perfil do incendiário, e se este perfil não pode ser traçado então não se pode objectivar a realidade de forma a perceber por exemplo qual a percentagem de incendiários piromaníacos e qual a sua significância. Ao desconhecer-se este tipo de premissas, a prevenção enquanto medida eficaz de combate aos incêndios intencionais pode estar seriamente comprometida ao fracasso.
Posto isto, apresentar medidas no sentido do melhoramento das equipas de investigação científica poderia contribuir para inverter o ciclo anual dos incêndios (equipas multidisciplinares, formação e equipamento pode ser um investimento que poderia poupar muito aos cofres do estado a longo prazo). E juntando o útil ao agradável essas equipas de investigação poderiam dar um contributo significativo para a investigação psicológica da piromania, de outras formas patológicas associadas a comportamentos incendiários e mesmo na abordagem de perfis psicológicos, e, entre tantos outros planos de trabalho de utilidade pública.
Seria muito útil verificar a importância (significância) do grupo de incendiários piromaníacos para possivelmente identificar e controlar de forma eficiente o grupo referido através de um conhecimento mais próximo da realidade dos números e das características da sua patologia. Só se pode contribuir para a investigação a este nível se se tiver acesso aos indivíduos que têm esta patologia, e para isso é necessário identificá-los...
Esquecendo agora um pouco aqueles fogos cuja origem se desconhece por completo ou parcialmente... De todos os incendiários intencionais acusados, julgados e culpados quantos foram submetidos a uma avaliação psicológica no sentido acima referido? Qual a importância real da avaliação psicológica para determinação da imputabilidade ou inimputabilidade do indivíduo julgado em tribunal?
Estas e outras questões são fruto do ainda ténue e aligeirado peso real da Psicologia e Psiquiatria Forenses quer no que respeita à decisão em tribunal, quer no que respeita às dimensões cientifica e de investigação. Por exemplo no que respeita à decisão, se ela tivesse em conta o real valor da avaliação psicológica poderia ser decidido, no caso de piromania, o acompanhamento adequado à patologia e não só a pura e simples prisão, que por si só não vai fazer com que o indivíduo deixe de ter a patologia, como também não a vai amenizar. O mais real será esse indivíduo voltar a dar aso ao seu prazer pelo fogo quando for libertado... E o ciclo (piromaníaco) continua...
Ou seja, não se trata de fazer uma abordagem generalizada dos fogos que se iniciam pela mão humana de forma intencional, mas sim remeter a abordagem ao que se designa por piromania. Deste modo todas as outras formas de fogo posto que não as incluídas nesta perturbação não serão abordadas.
As pessoas com perturbação piromaníaca têm um comportamento incendiário de forma intencional e deliberada (e, muitas vezes com grau elevado de premeditação), ocorrendo várias vezes ao longo da vida. São pessoas que antes da acção comportamental incendiária experienciam um aumento significativo da tensão, e que, normalmente se sentem aliviados (libertos de tensão) após consumado o acto inicial (pôr fogo). São indivíduos que por norma sentem fascínio, interesse, curiosidade e/ou atracção pelo fogo em si e pelos contextos em que ele ocorre (para estas pessoas ver um fogo pode ser uma actividade muito prazerosa).
O que realmente distingue estes incendiários com patologia piromaníaca dos outros incendiários intencionais (patológicos ou não) é que os indivíduos com piromania não ateiam os incêndios com objectivos lucrativos (financeiros ou outros), nem para marcar posições políticas ou sociais, nem para demonstrarem a sua ira ou vingança, nem para melhorar as suas condições de vida, nem mesmo como consequência de questões alucinatórias ou ideias delirantes (e outros). Na piromania os incêndios são ateados pelo prazer de ver arder, pelo prazer do fogo em si, pelo gosto em ver o poder destrutivo causado em propriedades e florestas, pelo prazer dos resultados finais...
Uma outra característica importante destas pessoas refere-se à sua incapacidade avaliativa sobre as consequências dos actos cometidos por si numa perspectiva de avaliação que se considera a normal. Ou seja, a sua avaliação das consequências tem uma dimensão exclusivista (no sentido do prazer dos resultados obtidos pela consumação do fogo posto), que não lhe permite olhar para a realidade de outra forma que não essa, a sua perspectiva reducionista e distorcida da realidade.
Apesar de não existirem dados conclusivos quanto a características etárias da patologia sabe-se que quando ela existe na adolescência está normalmente associada a outras patologias como as perturbações do comportamento, as perturbações de hiperactividade com défice de atenção e as perturbações da adaptação. Isto é, a piromania pode ver-se como perturbação pseudo-isolada, como perturbação associada ou como forma sintomatológica.
Felizmente para nós este tipo de patologia pode-se considerar rara, mas mesmo assumir isso é inconclusivo, pois a informação nesse sentido não me parece de todo suficiente. Por exemplo, ao olhar para o panorama nacional de incêndios e para a investigação muitas vezes inconclusiva das origens dos incêndios, a possibilidade de legitimar um número de incendiários piromaníacos aproximado à realidade esvais-se.
Assim, parece-me obvio que, independentemente da tipologia da prevenção existente na questão dos incêndios, não se conhece a realidade de forma suficiente para que se possa produzir um sistema de prevenção mais eficaz, pelo menos no que se refere à prevenção da percentagem de fogo posto. Ou seja, se não se conhece sequer quem incendeia (ou mesmo se é alguém que incendeia ou se são causas naturais), não se pode determinar o perfil do incendiário, e se este perfil não pode ser traçado então não se pode objectivar a realidade de forma a perceber por exemplo qual a percentagem de incendiários piromaníacos e qual a sua significância. Ao desconhecer-se este tipo de premissas, a prevenção enquanto medida eficaz de combate aos incêndios intencionais pode estar seriamente comprometida ao fracasso.
Posto isto, apresentar medidas no sentido do melhoramento das equipas de investigação científica poderia contribuir para inverter o ciclo anual dos incêndios (equipas multidisciplinares, formação e equipamento pode ser um investimento que poderia poupar muito aos cofres do estado a longo prazo). E juntando o útil ao agradável essas equipas de investigação poderiam dar um contributo significativo para a investigação psicológica da piromania, de outras formas patológicas associadas a comportamentos incendiários e mesmo na abordagem de perfis psicológicos, e, entre tantos outros planos de trabalho de utilidade pública.
Seria muito útil verificar a importância (significância) do grupo de incendiários piromaníacos para possivelmente identificar e controlar de forma eficiente o grupo referido através de um conhecimento mais próximo da realidade dos números e das características da sua patologia. Só se pode contribuir para a investigação a este nível se se tiver acesso aos indivíduos que têm esta patologia, e para isso é necessário identificá-los...
Esquecendo agora um pouco aqueles fogos cuja origem se desconhece por completo ou parcialmente... De todos os incendiários intencionais acusados, julgados e culpados quantos foram submetidos a uma avaliação psicológica no sentido acima referido? Qual a importância real da avaliação psicológica para determinação da imputabilidade ou inimputabilidade do indivíduo julgado em tribunal?
Estas e outras questões são fruto do ainda ténue e aligeirado peso real da Psicologia e Psiquiatria Forenses quer no que respeita à decisão em tribunal, quer no que respeita às dimensões cientifica e de investigação. Por exemplo no que respeita à decisão, se ela tivesse em conta o real valor da avaliação psicológica poderia ser decidido, no caso de piromania, o acompanhamento adequado à patologia e não só a pura e simples prisão, que por si só não vai fazer com que o indivíduo deixe de ter a patologia, como também não a vai amenizar. O mais real será esse indivíduo voltar a dar aso ao seu prazer pelo fogo quando for libertado... E o ciclo (piromaníaco) continua...
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 28/06/2005
in Jornal de Albergaria, 28/06/2005
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