Queria aqui deixar uma pequena nota sobre o sentido útil que poderiam tomar algumas intervenções ao nível da saúde mental. Mais especificamente, no que respeita à tipificação do apoio dado quando por exemplo ocorrem crimes que envolvem violência doméstica.
Quero eu dizer que por norma existe, em Portugal, a tendência para o apoio à vítima, e em simultâneo e de forma muito automatizada, a tendência para a criminalização pura e simples do agressor.
Isto, entre muitas outras coisas, significa que para o agressor não se tem por hábito dar por exemplo apoio psicológico de âmbito profissional. Como pequeno aparte devo referir que no Reino Unido existem centros de apoio especializado para os aqui referidos como agressores, tal como cá em Portugal existem instituições de apoio à vítima.
Qual é então o sentido desta questão?
Muito basicamente: tratando os agressores não haverá vítimas!(?)
Obviamente que o absolutismo utópico da anterior afirmação nos remete para uma reflexão mais holística e talvez menos optimista. Ou seja, seria irreal pensar-se que em saúde mental existem curas totalitaristas e que mesmo que as houvesse isso iria permitir que deixassem de existir agressores e as consequentes vítimas. Mas, isso não significa que um apoio psíquico especializado e direccionado aos agressores não iria de uma forma muito significativa reduzir o potencial de reincidência dos que já agrediram pelo menos uma vez.
Isso significa também, que a nossa tendência para o encarceramento criminal não pode ser uma via única de tratamento de problemáticas, cujo fundamento correctivo que subjaz o aprisionamento, não satisfaz sequer de forma mínima esses mesmos fundamentos.
Devo realçar que não está aqui em causa a importância óbvia do apoio prestado às vítimas, mas sim a importância subliminar da utilidade do apoio que se poderia prestar aos agressores. Por muito desconexo que possa parecer à partida, dar apoio aos agressores pode ser também dar apoio às vítimas, e/ou, dar apoio a potenciais agressores pode ser também uma forma de não existirem algumas delas.
Um pequeno exemplo prático: quando alguém foi vítima de violência doméstica pode por exemplo telefonar para uma linha de apoio especializada nesse tipo de problemas, no caso dos agressores poderia funcionar de forma preventiva, isto é, poderia telefonar para uma linha de apoio especializada em agressores antes de cometer a própria agressão (este exemplo da linha telefónica de apoio já foi testado noutros países e os resultados são até agora satisfatórios). Ou, quando alguém foi vítima de agressão tem em princípio direito ao apoio psíquico (de emergência, psicoterapia, etc.), porque não dar o mesmo direito ao agressor?
Claro que para que se possa apoiar os ditos agressores eles têm que ser sinalizados por terceiros, ou por reconhecimento próprio. Mas, no actual sistema de actuação, nem uma nem outra forma terá muito interesse prático, a não ser que existam meios financeiros que permitam usufruir de técnicos especializados na sua prática clínica privada. Por outro lado, mesmo que existam possibilidades económicas, outros factores de peso podem contribuir negativamente para a acessibilidade ao referido apoio, tal como, o já referido encarceramento como solução “exclusiva”.
Eu entendo que não é propriamente fácil aceitar ou mesmo reflectir de forma clara e isenta sobre esta questão. Basta que para isso o leitor pense que por exemplo o seu filho foi abusado sexualmente. Se isso fosse um acontecimento real a sua capacidade de reflexão isenta sobre o tema estaria praticamente condenada ao insucesso. Mas, se uma forma preventiva de actuar proporcionasse condições para que esse mesmo agressor não voltasse a fazer o mesmo a outra criança, filho de outra pessoa, o que é que o leitor pensaria? Condená-lo a uma pena o mais pesado possível, limitando todas as possibilidades de reabilitação, e possibilitando a repetição criminal quando saísse da prisão? Ou, condená-lo a uma pena de funcionalidade assertiva, que “obrigasse” a um “tratamento mental” para além da habitual prisão pura e simples?
Merece um agressor o direito ao direito de não o ser mais?
Não quer dizer que seja possível em todos os casos a reabilitação, ou mesmo numa grande parte, mas é certo que existem casos em que o tratamento tem todas as possibilidades de singrar, e se não se der a possibilidade de sequer se perceber quais são esses casos, então pode dizer-se que mesmo prendendo essas pessoas nada se fez para que não houvessem mais vítimas desses agressores com potencial de recuperação.
Quero eu dizer que por norma existe, em Portugal, a tendência para o apoio à vítima, e em simultâneo e de forma muito automatizada, a tendência para a criminalização pura e simples do agressor.
Isto, entre muitas outras coisas, significa que para o agressor não se tem por hábito dar por exemplo apoio psicológico de âmbito profissional. Como pequeno aparte devo referir que no Reino Unido existem centros de apoio especializado para os aqui referidos como agressores, tal como cá em Portugal existem instituições de apoio à vítima.
Qual é então o sentido desta questão?
Muito basicamente: tratando os agressores não haverá vítimas!(?)
Obviamente que o absolutismo utópico da anterior afirmação nos remete para uma reflexão mais holística e talvez menos optimista. Ou seja, seria irreal pensar-se que em saúde mental existem curas totalitaristas e que mesmo que as houvesse isso iria permitir que deixassem de existir agressores e as consequentes vítimas. Mas, isso não significa que um apoio psíquico especializado e direccionado aos agressores não iria de uma forma muito significativa reduzir o potencial de reincidência dos que já agrediram pelo menos uma vez.
Isso significa também, que a nossa tendência para o encarceramento criminal não pode ser uma via única de tratamento de problemáticas, cujo fundamento correctivo que subjaz o aprisionamento, não satisfaz sequer de forma mínima esses mesmos fundamentos.
Devo realçar que não está aqui em causa a importância óbvia do apoio prestado às vítimas, mas sim a importância subliminar da utilidade do apoio que se poderia prestar aos agressores. Por muito desconexo que possa parecer à partida, dar apoio aos agressores pode ser também dar apoio às vítimas, e/ou, dar apoio a potenciais agressores pode ser também uma forma de não existirem algumas delas.
Um pequeno exemplo prático: quando alguém foi vítima de violência doméstica pode por exemplo telefonar para uma linha de apoio especializada nesse tipo de problemas, no caso dos agressores poderia funcionar de forma preventiva, isto é, poderia telefonar para uma linha de apoio especializada em agressores antes de cometer a própria agressão (este exemplo da linha telefónica de apoio já foi testado noutros países e os resultados são até agora satisfatórios). Ou, quando alguém foi vítima de agressão tem em princípio direito ao apoio psíquico (de emergência, psicoterapia, etc.), porque não dar o mesmo direito ao agressor?
Claro que para que se possa apoiar os ditos agressores eles têm que ser sinalizados por terceiros, ou por reconhecimento próprio. Mas, no actual sistema de actuação, nem uma nem outra forma terá muito interesse prático, a não ser que existam meios financeiros que permitam usufruir de técnicos especializados na sua prática clínica privada. Por outro lado, mesmo que existam possibilidades económicas, outros factores de peso podem contribuir negativamente para a acessibilidade ao referido apoio, tal como, o já referido encarceramento como solução “exclusiva”.
Eu entendo que não é propriamente fácil aceitar ou mesmo reflectir de forma clara e isenta sobre esta questão. Basta que para isso o leitor pense que por exemplo o seu filho foi abusado sexualmente. Se isso fosse um acontecimento real a sua capacidade de reflexão isenta sobre o tema estaria praticamente condenada ao insucesso. Mas, se uma forma preventiva de actuar proporcionasse condições para que esse mesmo agressor não voltasse a fazer o mesmo a outra criança, filho de outra pessoa, o que é que o leitor pensaria? Condená-lo a uma pena o mais pesado possível, limitando todas as possibilidades de reabilitação, e possibilitando a repetição criminal quando saísse da prisão? Ou, condená-lo a uma pena de funcionalidade assertiva, que “obrigasse” a um “tratamento mental” para além da habitual prisão pura e simples?
Merece um agressor o direito ao direito de não o ser mais?
Não quer dizer que seja possível em todos os casos a reabilitação, ou mesmo numa grande parte, mas é certo que existem casos em que o tratamento tem todas as possibilidades de singrar, e se não se der a possibilidade de sequer se perceber quais são esses casos, então pode dizer-se que mesmo prendendo essas pessoas nada se fez para que não houvessem mais vítimas desses agressores com potencial de recuperação.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 06/06/2006
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