(Deve considerar-se a leitura do presente artigo de forma não generalista, estando incluídas hipóteses hiper-direccionadas de interpretação específica.)
Ou seja, apesar de ser necessário fazer uma manutenção permanente da identidade é também necessário manter actualizado o sistema de manutenção. Quer isto dizer que, não é suficiente como também pode ser prejudicial manter intacta uma estrutura e organização defensivas, pois nesse caso as possibilidades de desajustamento entre os sistemas defensivos e os hipotéticos e/ou reais ataques são realmente elevadas, tornando assim as defesas em, possíveis e possibilitantes, retraimentos bloqueantes e bloqueadores da expansão individual na relação com o próprio, e consequentemente na relação com o outro.
Pode mesmo fazer a diferença entre a fixação num estado desenvolvimental anterior e a normal progressão identitária do indivíduo, onde fixar-se num estado anterior seria, num exemplo de conflito tipicamente psicótico, viver-se numa “realidade externa” (leia-se pseudo-parilhada) adulta funcionando predominantemente com uma realidade interna infantil. Esse desajustamento desadequante entre uma e outra realidade, onde a externa actual é lida (percepcionada) pela passada (e ainda actual) infantil faz com que da confrontação da realidade partilhada com a realidade idiossincrática (intra-psíquica) se originem conflitos de tipologia aparentemente psicótica. Digo aparentemente psicótica, pois à partida o conflito predominante poderia pensar-se ser entre o mundo interno e o extra-psíquico, mas nem sempre é assim, até porque na origem de muitos conflitos psicóticos estão outros de tipologia neurótica (intra e inter instâncias intra-psíquicas), e vice-versa.
(A dicotomia de divisão de conflitos neurótico-psicótica, aparece aqui como factor potencialmente reduccionista da própria realidade conflitual, quer isto dizer que, embora se possa clivar dicotómicamente para se compreender a predominância de conflitos, de facto essa clivagem pode afastar ainda mais a possibilidade genuína da própria compreensão da dimensão total do objecto.)
Voltando ao sistema defensivo desajustado acima exemplificado, pode mesmo dizer-se que esse inclui barreiras construídas para lidar com ataques que de facto até podem ter existido, mas que hoje já não existem mais, estando assim o individuo a defender-se no presente do seu passado. Melhor dizendo, os ataques ainda hoje existem, mas apenas na sua forma fantasmática da realidade intra-psíquica.
Para o necessário (sanígeno) reajustamento inter-realidades é necessário então reajustar a auto-identificação da realidade intra-psíquica (à realidade partilhada/ relacional), onde o propósito se situará na resolução dos conflitos internos anteriores ainda presentes na realidade actual do indivíduo, ainda que tantas vezes sob formas disfarçadas de sinais e sintomas, também tantas vezes, tão diferentes e diversos da sua etiologia original e originária.
O trabalho de reintegração/reinterpretação do Eu através da resolução (emocional) da dinâmica passada (mas actual), afim de ajustar de forma congruente o individuo, primeiro à sua própria realidade interna, depois à compatibilização e interacção da realidade interna com a extra-psíquica, é um caminho de tendência morosa e com custos de sofrimento elevado, que pretendem ser coadunantes com os resultados, profundos e duradouros desse tipo de terapêutica.
A necessidade de sofrimento emocional elevado como parte integrante terapêutica ou mesmo como o percurso em si para a resolução problemática de alguém num já sofrimento insuportável, embora não seja à partida uma notícia animadora, pode apesar de tudo constituir a abertura de uma nova porta de esperança. Não será preciso muito para perceber, sentindo, que a resolução de problemáticas que por si só já elevam o sofrimento, terá que passar por níveis de sofrimento também eles elevados, … “não será uma guerra sem sangue, nem serão batalhas sem baixas”…
...desintegrar uma estrutura e organização consolidadas ao longo de toda uma vida, para as substituir por uma nova e reparadora integração genuína do Eu, intra e inter relacional, por forma a se chegar a realmente reparar o Eu pathos por um Eu saudável, é tantas vezes caminhar de um falso self para um EU genuíno.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 13/10/2009
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