Segue-se um retalho real de livre associação (com a confidencialidade ética assegurada e devida autorização), onde o paciente se depara, (obviamente) não só, mas também, com a “impossibilidade de agir na cena analítica”:
“…não me parece que haja nada que me possa fazer sair deste impasse, apesar de sentir que essa própria estagnação se deve a esse próprio nada… se ao menos pudesse ir fluidamente como antes, onde não existia essa preocupação de encontrar o caminho, se apenas o seguia caminhando… sentia-me lá, no sitio certo, pela hora adequada, tudo parecia fluir de forma natural e espontânea… agora a sensação de que até o próprio pensamento se defende dele próprio em busca do rumo a seguir, do próximo passo, de um destino, não propriamente de chegada, mas pelo menos de passagem… nem isso, agora acontece… de tão parado começam mesmo a doer-me as pernas de não andar… talvez já tenha caminhado mais, mais do que o que devia, mais do que podia o meu corpo aguentar… assim, não sei para onde ir, sabendo que não é aqui que quero ficar… sinto sempre o desejo excitante de prosseguir, mas cada vez que inicio a caminhada fico na dúvida se o meu sentido é mesmo esse, ou estarei mesmo a andar ao contrário… ficar aqui não quero… aqui não quero ficar… esta falta de objectivos megalómanos, ou melhor, a frustração da existência de objectivos demasiado megalómanos, terrivelmente difíceis de alcançar, talvez me esteja a impedir de começar a dirigir-me para eles, na dúvida, na grande dúvida sobre a capacidade de materialização, sobre se é real esta auto-fantasmática, se de facto é a minha verdade que terei que fazer e farei todos esses feitos, que nem sempre se vêem, mas que ao meus olhos brilham… isto não pode ser apenas só isto, tem que ser mais… exigência auto-nomenclática de ir para lá do conhecido, muito para além do já elaborado, mas muito aquém destas tremendas expectativas de megalomania exagerada… é como se não pudesse caminhar mais, sem sentir que esse caminho por onde for me leve, nos leve, até onde ainda não tínhamos ido, como a um lugar onde sempre desejamos ter estado sem nunca lá termos ido… parece-me difícil, demasiado pesado, e ao mesmo tempo tão, tão simples…”
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 01/02/2010
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