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Artigos principalmente sobre Psicologia Clínica de Orientação Analítica e Psicanálise.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

“Na ausência do agente punidor...”

Uma das questões estudadas na ciência psicologia, segundo a perspectiva comportamentalista, é a punição. Relativamente a este aspecto (objecto de estudo, e, mais tarde estratégia de intervenção para diminuição da frequência, intensidade e duração de um comportamento indesejado) pode dizer-se que as evidências experimentais de laboratório demonstram que é realmente eficaz. Isto é, por exemplo se se associar a um comportamento não desejado um estímulo aversivo, esse comportamento terá tendência para diminuir na sua frequência, intensidade e duração.
Materializando este exemplo descrito teoricamente para uma componente mais prática, é o mesmo que dizer, metaforizando, que quando alguém faz algo de “errado”, punir essa pessoa é uma estratégia eficaz para que essa pessoa não o volte a fazer. De facto não se pode retirar a esta estratégia a eficácia “merecida”, mas deve ser questionada na sua assertividade enquanto resposta e enquanto estratégia operacional, e, especialmente quanto à sua real eficácia.
Quer isto dizer que se for analisada a estratégia “punição” nos termos acima referidos, ela parece ser “o remédio para todos os males”, mas se for visualizada duma perspectiva mais aprofundada, ter-se-á de imediato a noção de que a realidade que se apresenta é outra. Ou seja, para além da demonstração empírica laboratorial, a demonstração empírica da realidade em si revela que as principais críticas, já à muito fundamentadas, a esta estratégia são o mais próximo da verdade: a punição não funciona na ausência do agente punidor, isto é, só funciona na sua presença física.
Mesmo esta critica é facilmente criticável, quando se pensa nas tais experiências laboratoriais, mas há diversos exemplos práticos e do conhecimento de todos que a exemplificam de forma clara: é o caso do tão discutido “código da estrada” e da tão polémica e ambígua forma de actuar de alguns pais quando se questionam de devem ou não “bater” nos filhos como parte integrante da educação.
Relativamente ao “código da estrada”, parece-me ser um exemplo que pode servir de metáfora e/ou analogia para outros tantos exemplos, no sentido em que o seu carácter cada vez mais punitivo do seu não cumprimento, continua apenas a funcionar para que os utilizadores das vias públicas o queiram cumprir quando se vêem confrontados com os agentes da autoridade com competências punitivas. As pessoas não usam cinto de segurança para esse efeito de protecção, mas sim porque é obrigatório, e, se é obrigatório o seu não cumprimento dá coima. As pessoas não andam devagar ou a velocidades que lhes permitem ter segurança mínima por esse motivo, andam a velocidades excessivas e reduzem para a velocidade limite quando sabem que se aproximam de um radar. Obviamente que estas pessoas não são todas, mas não serão a maior parte? O que está em causa é que as pessoas em vez de zelarem pelos seus interesses e seguridade estão fixadas no medo das represálias e nas suas consequências. Não estão tão importadas se têm um acidente e se magoam (a eles e aos outros), estão preocupadas com as coimas e com o facto de serem ou não “apanhados”...
Sobre o segundo exemplo relativo à componente educativa (dos filhos), a explicação deixada ao “código da estrada” é esclarecedora, mas contudo insuficiente devido à própria metaforização. Assim, convém ainda ter em conta alguns pontos fundamentais: existem alternativas (realmente eficazes) à punição e/ou métodos punitivos adequados à complexidade da situação específica quando utilizados em complementaridade com outras medidas de redução comportamental; nem todas as formas de punição são de conteúdo agressivo; quando a punição é exercida sob a forma de agressividade física e/ou psíquica (“bater”, “agressividade verbal”...) o efeito gerado pode ser catastrófico, desde o desequilíbrio emocional, o medo, a auto e hetero agressividade, até mesmo ao efeito contrário ao desejado pelo punidor, entre outros; a punição só funciona realmente na presença do punidor, na ausência deste o elemento punido poderá ter o mesmo comportamento pelo qual foi punido; com a utilização da punição como estratégia para a diminuição de um comportamento, o elemento punidor pode ver esse comportamento por si indesejado diminuir (o comportamento do elemento punido) não porque o elemento punido compreende as motivações auto e hetero necessárias para não o efectuar, mas sim pelo medo da punição e de tudo o que esta contém; (...).
Assim, responder a comportamentos que consideramos “indesejados” de forma punitiva não resolve a situação comportamental na sua plenitude, se é que a resolve de qualquer forma. A questão prende-se com facto do que realmente queremos que aconteça ou que não aconteça, e nisso temos que nos questionar muito bem a nós próprios, porque senão teremos que continuar a arcar com as consequências dos nossos comportamentos de resposta punitivos. Ou seja, queremos conduzir em segurança ou queremos fugir às multas? Queremos que os nossos filhos conduzam em segurança ou queremos que eles fujam às multas?
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 24/05/2005

“O meu amigo silêncio.”

Certamente que o leitor se poderá questionar sobre a generosidade metafórica, de conteúdo controverso e/ou irónico em que se prima este título. De facto, a ausência de conteúdo “sonoro” pode ser benéfica nas situações mais variadas, mas não é de música literal que aqui se pretende abordar. Trata-se em vez disso de relações interpessoais, as relações entre as pessoas, a ausência delas e aquelas cuja comunicação tem características de não a ter, ou, de a ter de forma distorcida.
Como o tema proposto para reflexão é vastíssimo, será considerado apenas numa perspectiva mais específica de abordagem, aquela a que o título faz referencia subliminar: a ausência da relação esperada. Esperada no sentido de imposição social ou até de imposição biológica? (E) Ou expectativa do indivíduo específico? Vivência da relação que não existe de forma idiossincrática?
O conjunto de exemplos que se tornam casos clínicos é esclarecedor desta temática. São desde os casos em que uma das figuras vinculativas primárias ou não existem ou estão ausentes, até aos casos em que o indivíduo espera encontrar uma nova figura à qual se vincular e não a consegue “achar” pelos mais diversos motivos. Por outras palavras desde a ausência de um pai, até à ausência de uma namorada.
As questões que se levantam não dizem respeito aos casos que, embora esta ausência da relação esperada exista, os indivíduos a vivenciam de forma adequada, isto é, de forma assertiva a tal ponto que essa situação por si só não origina qualquer forma patológica. Mas sim, aqueles que ou não sabem lidar com essa situação, e/ou não a reconhecem como problemática (se ela assim o for), e/ou lidam com ela de forma deficiente/insuficiente.
É também, de certa forma, comum que neste tipo de ausências se desencadeiem formas patológicas de lidar com a situação já que ela por si só pode ser bastante problemática, o que não implica que exista (ou não) também alguma pré-disposição para a forma ineficaz de lidar com a situação. Até porque, existem formas de lidar com a situação promotoras de resolução das problemáticas e de tudo o que as envolve, e pessoas com características próprias que lhes permitem à prior implementar essas medidas promotoras sem recorrer por exemplo à ajuda psicológica.
Ou seja, a situação tem peso variável de influência para cada indivíduo e cada indivíduo tem características próprias que lhe permitem lidar com essa situação de forma muito singular. O indivíduo é influenciado pela situação e a situação revela contornos promovidos pela influência do indivíduo.
Voltando agora à questão de fundo, o indivíduo perante a ausência relacional esperada, seja na sua forma patológica ou normal envolve sempre um nível de sofrimento significativo. A gestão que o indivíduo faz desse sofrimento, a direcção e os sentidos à qual ele o conduz (exemplo: luta vs. fuga/evitamento), são factores determinantes na extensão ou encurtamento temporal desse sofrimento. Mais do que isso são factores dos quais pode depender se esse sofrimento tem tendência a ser minimizado ou se pelo contrário tende a ficar cada vez maior, até ao ponto do insuportável ou até ao ponto de auto-ruptura com a vida.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 05/04/2005
Será obviamente de grande dificuldade expor por parâmetros claros este tema, já que a sua dimensão mais correcta de análise não envolve tramites de linearidade. Por isso, será também de esperar que, aos leitores que se identifiquem com o tema, surja uma certa dúvida razoável. Também por isso foi já referida a idiossincrasia ou forma singular e única que cada um apresenta para cada situação específica. Ainda assim, é possível delimitar postulados de generalização não futurológica, mas sim baseada em dados reais que já aconteceram, e, dirigi-los no sentido do que poderá vir a acontecer.
Voltando a questão um pouco mais para a sua vertente prática, e, pegando no exemplo já referido anteriormente da ausência de um pai, na perspectiva de análise da forma patológica de lidar com esta situação, o indivíduo que a vivência demonstra muitas vezes características depressivas provenientes da ausência afectiva esperada e desejada. Essas características, que na sua forma sintomatológica relativa dependem também da fase da vida do indivíduo em que a situação acontece e/ou se inicia, tornam por norma essa pessoa mais vulnerável e fragilizada perante outras situações similares como será o outro exemplo anteriormente referido, a ausência de uma namorada.
Ainda por outras palavras, o indivíduo poderá ter tendência a desenvolver uma forma depressiva de lidar com a situação o que não lhe permitirá visualizar a situação de uma forma aproximada do que a realidade representa e apresenta. Até porque uma das características da depressão é a da distorção da realidade, normalmente vivenciada por exemplo apenas na sua forma negativa. Isso faz com que o indivíduo olhe para todas as situações da mesma forma, a negativa, a irreal por absolutismo visual. Assim, quando esse indivíduo se depara com situações similares de ausência relacional, terá tendência para se auto-confirmar na sua perspectiva negativa, de forma infundada. Essa auto-confirmação faz com que essa pessoa viva a realidade com base no seu próprio ciclo vicioso negativo, constantemente confirmado e reconfirmado por si próprio: o ciclo vicioso da depressão.
É ainda necessário referenciar que a ausência da relação esperada é apenas um factor que poderá ser desencadeante deste tipo de patologia, pois outros serão necessários para que ela venha ao de cima, e esta poderá não ser a única a ser desencadeada, mas será certamente a mais provável e mesmo a patologia base de outras que possam a ela estar associadas, segundo este factor relacional.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 26/04/2005

“Nascer por favor, nascer por amor – expectativas parentais.”

No passado dia 8 deste mês do corrente ano, li um artigo no “Jornal de Notícias” que me causou um efeito de alguma consternação. Na Grã-Bretanha, põe-se em hipótese, numa discussão de tramites legais, um casal conceber um filho (uma pessoa) com a intencionalidade deliberada e específica de este vindouro fornecer o poder curativo para um filho deste casal que tem uma doença genética.
A minha preocupação não tem um caracter ético na sua plenitude, tem sim sentido quando se visiona as possíveis consequências idiossincráticas de um indivíduo humano ainda inexistente. Ou seja, estes pais não desejam o filho pelo filho, mas sim o filho pelo outro. E, isso, pode ser pré-traumático, na perspectiva em que esta futura pessoa será concebida mediante um planeamento sim, mas um planeamento de utilização genética, e não um planeamento de acção afectiva, característica essência da boa saúde mental/desenvolvimental da relação pais/filho e filho/mundo.
É hoje do conhecimento científico que toda a globalidade da preexistência influencia de forma significativa, senão determinante, a futura existência pessoal. Um dos aspectos a ter em consideração como factores de maior peso directo nessa globalidade são as expectativas parentais e as suas motivações criadoras, quer as conscientes, quer as omissas.
Por outro lado será facilmente compreensível que estes pais queiram salvar o filho que conhecem e que de certa forma menosprezem as consequências negativas que poderão surgir para o filho que ainda não vêem. Ao vindouro, é ainda compreensível que o visualizem supervalorizando os traços de positividade provenientes da imagem de necessidade curativa, e, vejam nesse planeamento e futura acção intencional, “apenas” aquilo que possivelmente poderão pensar ser os factores de positividade esperada nesse e para esse filho: “Ele nasceu para a salvação do irmão e isso será um factor de felicidade para ele...(?)”. Certamente não posso pensar por estas pessoas, mas poderão elas pensar pelas que ainda não existem?
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 22/03/2005

“A negligência do negligenciado...”

Poucos serão os que ainda não ouviram o velho ditado popular “Filho de peixe, sabe nadar”. Alvo de críticas e contestações dos menos crentes e mais cépticos, este ditado como tantos outros, pode e deve ser analisado, no sentido do seu valor real.
Tem tanto de cientifico como de popular?
Por exemplo, quando se elabora uma transposição do significado latente para as flexíveis normas da ciência Psicologia, encontra-se aqui uma chave interpretativa das mais diversas realidades. Ou seja, descobre-se que o que por outras palavras se diz em Psicologia, é o mesmo no que este ditado mais se revela: “Os filhos são sempre sintoma dos pais (e/ou das figuras vinculativas que os representam, no caso da inexistência destes)”.
Na prática o que isto quer dizer, não é que filho de ladrão vai seguir o mesmo caminho, não é que filho de pobre não vai ter bens materiais, não é uma questão que se possa analisar em correlações directas de causa/efeito. É antes necessário ter em conta todo um conjunto de variáveis que modificam essa correlação directa, transformando-a apenas em linhas de orientação para o desconhecido vindouro. Assim, dizer pura e simplesmente que um pai que fora enquanto filho maltratado pelos pais vai também ele maltratar os seus filhos, está longe do que pode ser considerado linear. Mas, dizer-se que os filhos, desse pai maltratado enquanto criança, são também produto sintomatológico dessa negligência anterior, é uma condição indispensável para a correcta análise da contribuição familiar para a vida dessas pessoas, filhos.
Numa perspectiva de análise familiar, o que se quer aqui deixar assente, é que todo o complexo ambiente familiar proporcionado aos filhos, tem uma contribuição, cujo o peso é enorme, para toda a componente pessoal dos filhos. Isto é, existem claramente psicopatologias cuja etiologia é significativamente relacionada com as condições familiares, e condições específicas de cada um desses elementos familiares. Independentemente de outras causas de origem genética, orgânica, cultural, metabólica, e tantas outras, esta, a de origem relacional familiar, está muitas das vezes por trás do aparecimento de problemáticas nos filhos, aos mais diversos níveis.
Após um diagnóstico diferencial detalhado e adequado a cada problemática específica, ou seja, depois de se saber que a problemática tem origem principalmente ao nível da dinâmica da relação familiar, a abordagem mais correcta a aplicar será uma intervenção ao nível familiar, e/ou uma psicoterapia familiar. Mas, esta não deve ser declaradamente exclusiva, já que essa problemática vem representada nos filhos, e estes devem ser, dependentemente do caso, foco das principais intervenções. Apesar dessa problemática ser representativa da problemática que os próprios pais apresentam “em casa”.
É então fulcral ter em conta que existem muitas das vezes pais que, sem se aperceberem e sem terem uma intenção conscienciosa ou sequer uma intenção, (re)produzem nos seus filhos problemáticas que também neles foram mal resolvidas ou não foram resolvidas sequer. Mais do que isso, não se apercebem delas em si mesmos, e apenas vêem os problemas nos seus descendentes. Apresentam-nos como origem, causa e consequência, de todos os conflitos existentes. Querem resolver os seus problemas através da resolução dos problemas dos seus filhos. Resolver os problemas dos filhos é então resolver os problemas dos pais? Quem tem então problemas?
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 08/03/2005

“Ouvir os nossos filhos...”

À algum tempo atrás, um dos meus pacientes adolescentes, após finalmente ter mencionado os verdadeiros factores que o levaram à tentativa de suicídio, terminou a consulta com um pedido insólito, mas esclarecedor: “Sei que não devia pedir isto, mas podia-me dar um abraço, por favor...”.
Apelando ao afecto não concedido pelos quem mais gostaria de abraçar e de ser abraçado, esta pessoa chora nos meus braços a dor de não ser compreendida, de ela própria não se perceber a si, aos outros e ao mundo que a rodeia. Mais do que isso, e principalmente, revela o investimento deficitário e a atenção também distorcida dos seus mais próximos, quando mais do que nunca precisava “apenas de um abraço”.
Construíram-se laços inadequados e incongruentes com o equilíbrio necessário à exploração saudável do mundo afectivo. Mundo desconhecido, e, difícil de encontrar para o adolescente, quando não se formaram bases preliminares de sustentação emocional, para a tão atribulada descoberta relacional, o encontro consigo perante o outro. Por outras palavras, a adolescência é por si só um período conturbado de descoberta aos mais diversos níveis. Neste, o da descoberta afectiva, será de conveniência que o indivíduo tenha tido a possibilidade de experiênciar, desde o início mais remoto da sua vida, conteúdos equilibrados e assertivos de afecto relacional, para que assim esteja minimamente preparado para o que a vida lhe reservar quando se deparar com os conflitos provenientes dos processos de identificação e autonomia, característicos da adolescência.
De uma forma mais transparente, a descoberta afectiva da adolescência, que aqui se procura abordar, refere-se especificamente ao encontro do “EU” com o real ou imaginário, parceiro amoroso. Certamente, esta questão específica não deve ser alienada do vasto conjunto complexo de factores interdependentes, tais como a sexualidade ou a necessidade de vida em grupo como factor de protecção para o mundo desconhecido e como factor de transposição da vida vinculativa familiar para a vida (pseudo) autónoma.
Dentro da perspectiva integrativa global da realidade adolescentil, esta referência tão específica não deve ser deixada ao acaso, já que nesse sentido os resultados finais poderão ser devastadores, muito para além da adolescência, e em última análise poderão terminar muito antes do fim desta. É apenas um aspecto, a consideração do afecto relacional, mas tem peso suficiente para que a vida do actual adolescente seja diferente na sua vida adulta.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 22/02/2005