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Artigos principalmente sobre Psicologia Clínica de Orientação Analítica e Psicanálise.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

“Dúvidas genuínas de um dito psicótico.”




O texto que se segue inclui trechos aleatórios de um “dito psicótico”, cuja identidade, trâmites totais de confidencialidade e consentimento informado foram devidamente salvaguardados.

“Onírica intrusiva em estado de vigília, não na área de transferência, figura-se num suposto surto psicótico de alienação de uma realidade para uma outra cuja validade é tão questionável quanto a primeira, onde a veracidade e a índole genuína impõem perspectiva perceptiva incontornável, onde o controlo não existe apesar de também não preexistir anteriormente, afinal que ditames reguladores de norma fundamentam as alterações neurológicas, químicas e eléctricas, que nos fazem meramente acreditar que o funcionamento anterior a essas mudanças era o que nos conduzia a uma visão distante da turbulência errónea, à distorção da imagem, do próprio e do mundo?
Poderá a simplicidade básica regida pelo papel regulador da frequência mais comum conter a potenciação e o poder de elaborar as regras que devem ser seguidas e mantidas para discernir o que é o quê, se a dinâmica inconclusiva e permanente do todo mais geral que tudo, nos parece dizer que o mais claro seria não existirem regras de conclusão pura para fundar a visão que se constrói do mundo?
Será assim de tão difícil aceitação que todos os outros possam estar tão errados quanto eu? Se eu sou psicótico, como me poderão os outros demonstrar, a mim e a eles próprios, que não o são, eles em vez de mim? De qualquer forma não faz qualquer sentido que se diga que há quem não seja psicótico, se todos distorcemos claramente a realidade total, interna e externa, vendo-a como só nós conseguimos ver, o acesso à realidade como uma espécie única e individual, quando se pensa que à sintonia comunicacional, e se crê ver o que os outros também vêm, isso é tão real quanto a realidade que eu digo ver quando me dizem que são frutos alucinogénicos. Não será essa dimensão, uma simbólica? Uma diferente daquelas que o pseudo-comum-não-psicótico diz não conseguir aceder, e logo nega a existência da possibilidade?
Estou tão convencido como os demais que o que vejo é real, se me dizem que não é, não poderei eu dizer-vos o mesmo?
Pois, e também podem perfeitamente dizer que é fantástica ou fantasmática, ou simples filosofia, indubitável mas duvidosa demais para fazer-vos perceber que a minha realidade é apenas igual à vossa, o que digo é que todos a vemos diferente. Tão diversa é a construção, que vos levo a crer que não pode ser normal ou mesmo no caso dela existir, mesmo assim não é real, mas será que a vossa o é?
Querem-me convencer que as coisas que vejo são construções da minha mente, que de facto não existem neste nosso mundo, querem que eu deixe de ver, deixe de acreditar, querer cegar os meus olhos com psicofármacos, querem-me acalmar e calar para que eu não vos possa dizer que os cegos são vocês, que são vocês que no fundo não vêem, são vocês aqueles que temem, sim que têm tanto medo de estar enganados que mais vale que os que vos contestam sejam apagados, escondidos e enclausurados em instalações dignas, para que não possam perturbar a vossa realidade certeira, aquela que vocês têm a certeza que é a realidade real.
Também me chamam outros nomes, como perturbado ou esquizofrénico, deixa-vos mais seguros pensar que conhecem e controlam a realidade que querem ver e impor, e não, não pode ninguém ver outra coisa qualquer senão, no caso de o dizer, é condenado às vossas interessantes nomenclaturas psiquiátricas, folheadas dum catálogo patológico, inventado por vós, uma realidade tão inventada pelas vossas cabeças quanto a realidade que vejo é inventada pela minha.
Sim, não nego a revolta que já nem se esconde nestas palavras, o problema não é me discriminarem por ser o vosso suposto doente mental, o problema é vocês continuarem a achar piamente que não há nada de verdade no que vêem pessoas como eu. Até parece que alguém é dono da verdade! Pelos vistos há quem almeje ser, um deus tão deus, como todos aqueles que vocês também generosamente inventaram, para fins tão nobres como por exemplo a diminuição do medo de existir e de não existir e do receio de viver e de não viver, para terem uma paz que não teriam se não os inventassem. E depois o louco sou eu!”

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 23/12/2008

sábado, 22 de novembro de 2008

“Auto-(des)cobertas.”


Que “auto-(des)cobertas” poderão ser capacitadoras de influência relevante ao ponto de servirem de estimuladoras de modificações, cuja profundidade seja o bastante, para que essas mudanças perdurem e o sejam realmente?

Será necessário que a valoração relativa, se compatibilize entre o “sentimento” (proveniente do “prazer”), o “pensamento” e comportamento observável, e que a direcção da conveniente, indispensável e permanente luta intrapsíquica encontre harmonia entre os diversos “lados da(s) batalha(s)”?

O desconhecimento inevitável de uma maior parte de nós (tal como do mundo extrapsíquico) do que da outra parte que julgamos conhecer, parece tornar a genuinidade num conceito ingénuo e distante e o conhecimento num termo longínquo, efémero e desadequado, onde a conflituosidade se encontra e a (sobre)vivência acontece.

Esse é o mundo onde a valoração já relativa de si, se encontra permanentemente enviesada pelos ditames regedores dos conteúdos a que esse mundo se permite (con)ter, ditames esses que na maioria das vezes não sendo congruentes entre si, lutam por uma espécie de supremacia e não tanto pela “homeostase intra-instancional”.

A “auto-sobrevivência mental” aos acontecimentos (des)integrados, originários quer da própria imensidão interna, quer das dimensões inter-actuadas do mundo externo, não parece ter o mesmo significado que a “auto-vivência mental”. A primeira incide mais sobre “formas patogénicas” do desenrolar dos conflitos interiores e a segunda mais sobre “formas saudáveis” dos conflitos internos se (re)solucionarem.

Quando a funcionalidade interna se encontra comprometida pelas “vitórias patogénicas” de certos conflitos, então a (dis)funcionalidade aparente torna-se também dependente desses “vencedores inimigos”.

Pode ser que não se aceitem “essas (des)cobertas”, cujo sofrimento provocado pela aceitação pode levar quer à continuidade do padrão patológico anterior (ou padrão saudável), quer à cisão desse padrão antigo conjuntamente com a construção de um novo, mas o caminho da não aceitação (permanente e não temporária) pode ser um dos elementos impeditivos ao desbloqueio patogénico (se for caso disso).

Não se propõe de todo a existência de conceitos na sua plenitude, nem tão pouco o conhecimento dessa existência na sua amplitude máxima, até porque é indispensável e salutar que assim seja e assim esteja (inconsciente), mas realce-se que há partes que necessitam emergir para a “consciência” para que a parte que “queremos” vitoriosa, vença de facto.

Nem se pretende clarificar uma abordagem que permita focar e identificar tipologias infindáveis de conflitos, nem especificar alguns deles, apenas talvez (re)lembrar, que os há, e que alguns desses que existem precisam urgentemente de “apoio consciente” para que essa instância ganhe alguma força e algumas armas adicionais, tal como há outros cuja necessidade para a boa saúde mental é precisamente a inversa.

Pode ser tão útil descobrir como cobrir, para isso deve ser analisada a idiossincrasia envolta no todo individual e a do(s) conflito(s) que forçam o indivíduo à “sobrevivência mental”.

Ainda é necessário especificar que a emersão e a imersão (de conteúdos entre instâncias intrapsíquicas), não são de maneira nenhuma sequer formas que por si só são (re)soluções, mas sim mecanismos facilitadores (ou perturbadores) de diminuição (ou acréscimo) posterior da influência e direcção dos conflitos ou mesmos dos conflitos em si. Assim, pode mesmo dizer-se que não basta (des)cobrirmo-nos para nos conhecermos nem que seja um pouco melhor e para que esse conhecimento seja um auto-suficiente mentor de mudança, é sim necessário, para que isso aconteça, que tenhamos competências (ou as saibamos criar ou adquirir) para lidar com o que de nós nos for permitido que conheçamos.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 18/11/2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

“Do estado fusional ao indivíduo…”


A divisibilidade do estado fusional em trâmites de ainda pseudo-individuação é um processo cujos desenvolvimentos tendem a ser de ténues diferenciadores de quais dinâmicas jogam para pertença de um e de outro estado. A (re)necessidade (re)corrente de voltar ao anterior estado fusional de padrão intra-relacional, parece ser um elemento vital que entende fornecer competências para que o indivíduo se torne num ser individual, de forma “quase” protegida, segura e confiante quanto baste, agora no mundo externo tal como no mundo intra-uterino.
Neste sentido circunscrito, nota-se de forma evidente que quando não existe a possibilidade físico-mental de voltar fornecer um conteúdo “pseudo-fusional” adequado, a esse ainda “pseudo-indivíduo-mental”, este último tal como o primeiro, podem “apenas” retardar ou então eliminar o processo comum “padronizado” de “fusão-individuação” inicial.
Este comprometimento processual desde que meramente retardatário, não aniquila as intra e inter competências, nem os intra e inter papéis, quer fusionais, quer individuais, mas no caso do prolongamento excessivo (ou da ruptura total) da desvinculação forçada e não desejada por parte daquele que ainda não é psiquicamente individuado, então muito dificilmente isso não lhe trará consequências nefastas para o seu bom desenvolvimento mental, precoce e futuro.
Não é aqui que começa a vida, mas é agora que essa entra em contacto com o mundo extra-uterino, e é agora que pela primeira vez existe a possibilidade de separação “real” do anterior estado de fusão, e essa é uma possibilidade cuja desejabilidade de concretização é não só elevada como imprescindível, a seu tempo e de forma doseada, com o mais volta que vai que ainda é característico e necessário, dar continuidade ao vínculo que permite a desvinculação enquanto processo saudável e natural, isto é, a desvinculação apenas no sentido do estado pré-precoce de fusão mãe-filho no pós-parto.
Se neste primeiro contacto com a agressividade do mundo externo não existir a protecção fusional materna, o indivíduo recém-nado poderá tender a desenvolver características de insegurança, ansiedade e depressão precoces (entre outras), que irão quase necessariamente repercutir-se também mais tarde de forma auto-incompreensível ao próprio indivíduo, já que esses elementos não irão estar disponíveis ao livre acesso consciente.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 04/11/2008

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

“Exteriorização real ou fantasmática?”


Entre o pensar que se exterioriza e o exteriorizar-se de facto, existem diferenças significativas no funcionamento mental de cada uma das formas de “pseudo-exteriorização” (ou “exteriorização fantasmática” ou “exteriorização/internalização psicóticas”) e exteriorização real (materialização da exposição da realidade intrapsíquica ao mundo externo).

Na exteriorização real, o indivíduo atinge um nível real de contacto com o mundo externo e com os objectos que o compõem, o mundo da “realidade partilhada” pelos demais. Na “exteriorização fantasmática” o sujeito pode até pensar que comunicou com o “exterior”, mas o que de facto fez foi construir em si e através de si próprio uma continuação da realidade intrapsíquica anterior como se esta fosse proveniente da relação com conteúdos externos. Assim, por via de um potencial padrão relacional induzido/imprimido pelo meio externo primário (em consonância com as características idiossincráticas pessoais), o sujeito pode elaborar um padrão relacional psicótico (inconsciente) como forma privilegiada de se “relacionar” consigo e com o mundo.

Esse padrão de relacionamento (ou da falta dele) com a “realidade partilhada”, na forma tradicionalmente inconsciente, pode levar o indivíduo a ter a consciência que a “verdade” formulada intrapsiquicamente é compatível com a “realidade partilhada”, não se apercebendo assim que essa é uma “realidade auto-construída” e não uma que se construiu em contacto com os frutos relacionais “verdadeiros aos olhos dos outros”.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 14/10/2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

“Cuidado, eles podem não saber o que fazem…”


O objectivo deste escrito, pretende ser apenas um fomento para a discussão, que apelido de alerta. É de “estados auto e hetero (pseudo?) hipnóticos” induzidos de forma espontânea e não intencional, e logo em ambiente nada controlado, que vos pretendo falar. Da delicadeza e hipotética subjectividade a que este tema não consegue escapar, tentarei contribuir para que se possa perceber na prática do que se trata. Unicamente para que não se complexifique em demasia esta abordagem, irei deixar de lado todos os estados induzidos cuja fonte seja de indução externa ao nível de substâncias que activam e alteram o funcionamento neuronal, as vulgas drogas, lícitas ou ilícitas.

Assim, para que seja possível que se induza ao próprio ou a outros um “estado hipnótico” de forma inconsciente, espontânea, e não intencional, é necessário que as características do objecto/pessoa, em que é induzido tal estado, sejam propícias ou até adequadas a esse feito, isto é, a globalidade estimulante (interna e/ou externa) percebida pelo receptor em conjugação com as suas predisposições idiossincráticas são os principais determinantes da possibilidade de alguém se auto hipnotizar “sem querer” ou de ser hipnotizado “pelo meio” também sem o meio ter essa intenção clara de ser um meio hipnotizador e/ou hipnotizante.

A discussão do parágrafo anterior, é exemplificativa da generalização base para a fundamentação do tema, mas o meu objectivo compromete-me a ser mais específico.

Vejamos então o seguinte exemplo, para tipificar a “hetero indução hipnótica descontrolada”.

É prática comum (e até significativamente aceite pela comunidade clínica e científica) o uso do dito “relaxamento” como forma técnica de complemento terapêutico, como forma técnica de complemento de aulas de “yoga”, como forma técnica isolada para atingir os efeitos a que o próprio nome se propõe, e em tantas outras quase vulgarizadas situações. Claro que existem diversas tipologias para a técnica de relaxamento, mas para este exemplo serve-nos basearmo-nos apenas no “relaxamento conduzido” quer por “técnico qualificado”, quer por “técnico sem qualificação”. O “relaxamento conduzido” pode ser o estimulante particular do mundo externo que permite desencadear o “sono hipnótico” no indivíduo cujas especificidades o levem a “perceber” esse estímulo como um “alheador” eficaz da realidade que pode ser encontrada quer no estado de vigília, quer no estado de sono, ou seja, situa o individuo num estado “provisório (e/ou permanente)” da área de transferência vigília/sono, que é aquele específico momento em que “sabemos” que ainda estamos acordados e ao mesmo tempo já estamos a dormir (será de boa conveniência recordar que a primeira fase de sono é a do “sono profundo”). Se para a maioria das pessoas o “relaxamento conduzido” produz os efeitos benéficos a que ele se destina, existem pessoas que a “viagem conduzida” os leva a entrarem em “hipnose pura”. O problema, grave, é que na grande maioria das vezes em que isso acontece nem o técnico, nem a pessoa “relaxada” se apercebem que algo não correu como o previsto (até porque muitos relaxamentos são feitos em grupo), e que aquilo que era suposto ser um “mero” relaxamento acabou numa hipnose não intencional. As consequências de uma ocorrência deste tipo são quase incalculáveis, visto que os estados hipnóticos permitem tanto curar um doente como adoecer um saudável. Ora se nem sequer se chega a saber que esse estado foi induzido, tanto pior, pois fica ao sabor do vento, a sugestionabilidade activa e activada sem se querer, isto é, a pessoa pode desde ser “acordada indevidamente” até ser deixada no próprio estado hipnótico sem se ter essa noção.

E, o seguinte exemplo, para tipificar a “auto indução hipnótica inconsciente”.

Uma festa de transe, uma noite numa discoteca, uma ida a um concerto, tal como, uma sala de aula, um ambiente familiar ou um ambiente inóspito, ou ainda, um simples pensamento, uma lembrança ou recordação, etc. Qualquer um pode servir com a mesma “perfeição” para desencadear um processo (“auto-hipnose”) que depois passa a ser (quase) exclusivamente intrapsíquico, isto é, um determinado tipo de situação externa/interna pode ser entendida pelo indivíduo como “adequada” para que ele utilize uma técnica que desconhece que possui como estratégia de adequação mental às “exigências” que percebe do meio/de si próprio. Muitas vezes são relatados como “apagões” e a pessoa nem se lembra de ter estado em determinado local por determinado período de tempo (lembrem-se, sem o efeito de qualquer tipo de drogas/substâncias externas).

É claro que convém alertar que não é comum, ou o vulgarmente referido como normal, que isto aconteça, quer na forma auto, quer na forma hetero induzidas. Uma das características que pode propiciar a elevação e potenciação das possibilidades de indução de estados hipnóticos não intencionais (que podem ser, “bem ou mal”(?), confundidos com estados psicóticos ocasionais/esporádicos), são as características do foro psicótico, já que essas características (embora predispostas ao objecto/pessoa) para se tornarem evidentes necessitam muitas vezes de serem alimentadas ao longo da vida (apesar de existirem casos de psicoses graves que se tornam evidentes desde “demasiado cedo”). Essa alimentação é nalguns casos dirigida à perturbação e/ou destrutividade afectiva/relacional, que no caso de existir a tal predisposição psicótica, esse tipo de características evidenciam-se com intenções diversas de “homeostase afectiva/relacional” ou de “equilíbrio humanamente suportável”, ou seja, o indivíduo utiliza o seu psicotismo (ex. alheamento da pseudo realidade externa, construindo uma realidade mental mais suportável e alternativa à anterior) como defesa e em defesa da preservação dos afectos, mesmo que já “infligidos”.

Esta variante de manifestação psicótica de conjunturas de alheação do mundo externo, formalizadas pelo indivíduo em material psíquico onde a realidade idiossincrática passa a realidade (auto) geral, na prática envolvem momentos de “sono hipnótico”, cuja percepção que a pessoa tem de si própria, e a que os objectos/pessoas externos têm dela, não é muitas vezes suficientemente assertiva para que seja possível aperceberem-se que tipo de estado mental se encontra em funcionamento a dada altura e em momentos bem definidos.

No entanto, é ainda necessário referenciar que tanto quanto for “permitido”, podem e devem ser efectuadas medidas preventivas (mais do que remediativas), pelo menos no que respeita às actividades clínicas que possam induzir estados mentais/hipnóticos não intencionais, e logo não desejáveis. Ou seja, no caso do exemplo do “relaxamento conduzido” enquanto ferramenta complementar de trabalho terapêutico, este deve ser implementado apenas após uma análise ampla e cuidada de cada indivíduo da preexistência de características propícias à indução hipnótica não intencional, caso contrário poderá trazer consequências muito indesejáveis para o “relaxado”. No meu entender, para além disso deveriam também ser fomentadas medidas de regulamentação do exercício de práticas não clínicas de “relaxamento”, pelas mesmas razões referidas anteriormente. Não querendo centrar a questão no exemplo do “relaxamento”, ainda assim apraz-me dizer que uma técnica como esta, aparentemente ingénua e inofensiva, pode tornar-se um mecanismo muito eficaz de indução hipnótica não intencional em objectos/pessoas predispostas, e logo uma ferramenta que pode ser amplamente perigosa e altamente nefasta.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 30/09/2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

“A mediatização do pseudo-saber.”


A importância que parece ter adquirido a cultura da incessante procura obsessiva do conhecimento ou do pseudo-saber adquirido, almeja conduzir-nos para a psicose da busca de respostas, tantas vezes a perguntas que nem são nossas e/ou a questões que nunca fizemos, ou que nem seria adequado um dia as fazermos.

Caracterizem a vosso gosto, “alguns daqueles” cujas aparições, públicas ou privadas, frequentes e dissociadas de temática especializada, aludem e iludem, respostas de auto-conceito em nome da dita nomenclatura científica que trazem associada ao culto profissional envolvido, ao invés de (des)iludirem simplesmente, pela (des)mascaração da ignorância que a todos nos caracteriza.

Contudo, a velha necessidade de satisfação, real ou fantasmática, vai continuar a ser desenvolvida e a prevalecer, afim de minimizar danos, porventura maiores da insatisfação, do que da satisfação mística, ou seja, parece que mais vale pensar-se que se sabe mesmo não se sabendo até que ponto é essa sabedoria genuína, do que sofrer-se as consequências de se pensar que não se sabe de facto.

Assim, esta “nova” cultura do conhecimento, parece adquirir contornos de “culto do conhecimento”, já que a essência e os processos psíquicos envolvidos são em tudo idênticos aos que se encontram noutros cultos humanos, como é o exemplo dos “cultos de fé”.

Deixo também “a gosto” e à “vossa vontade” a continuidade do pensamento, no sentido das consequências da hipotética veracidade do pensamento anterior, sendo tão óbvias e tenuemente claras quanto coexistentes em contradição.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 16/09/2008

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

“Ficar pior, para poder melhorar…”



Quando se procura um profissional de saúde mental com objectivos fundamentados para a resolução de questões de foro patológico, isso significa normalmente que a pessoa espera melhorar a sua condição de doença, o comummente “ficar bom”.

Entende-se na maior parte dos casos que assim seja, pois se o objectivo fosse ficar (ainda) pior, algo de (ainda mais) “estranho” se passaria. No entanto, há casos em que para atingir o objectivo de melhorar, ou mesmo de “ficar bom”, é necessário e mesmo imprescindível que se piore primeiro.

É necessário explicar que este “ficar pior” tem mais a ver com a percepção que o próprio paciente tem do desenrolar dos (auto) acontecimentos (mentais), do que da condição semi-objectiva que esse apresenta, ou seja, o paciente sente-se de facto pior, mas esse será um dos passos do caminho que precisa de dar, para que o ficar melhor posterior seja realmente verdadeiro, sustentável e duradouro.

Vejamos o seguinte exemplo. Um paciente cuja perturbação tem como um dos principais factores etiológicos o “evitamento mental presente” de um acontecimento passado altamente doloroso. Doloroso ao ponto, que a maneira que esta pessoa encontrou para lidar com sofrimento envolto a esse acontecimento, foi dissociar esse acontecimento da sua realidade mental, isto é, na sua psique (consciente) é (quase) como se nada tivesse acontecido, como se tivesse apagado ou transformado essa realidade numa muito mais suportável e menos custosa de admitir que fizesse parte da sua vida. Este paciente ao procurar ajuda de um profissional de saúde mental, vai necessariamente ter que aumentar o seu nível de sofrimento (que já era absolutamente gigantesco), pois a temática que tanto “quer” evitar será potencialmente trazida novamente à consciência afim de ser reinterpretada. Sem essa análise do passado não será possível melhorar realmente, e, com essa análise do passado irá certamente percepcionar-se pior do que o que estava antes de procurar ajuda, pois o reencontro com a origem da dor provoca uma dor maior do que a que sentia antes de procurar ajuda profissional. Essa dor mais forte, por sua vez tem tendência a desregular diversas componentes mentais e funcionais da vida da pessoa, o que ajudará e muito essa pessoa a perceber que “está pior”. No entanto, o facto de vivênciar uma dor que já deveria ter sentido, atribuindo-lhe agora um significado combinado ao acontecimento que lhe deu (parte) da origem, faz com que a dor que sentia e que levou essa pessoa a procurar ajuda desapareça, pois essa dor é agora interpretada de forma adequada e congruente com a realidade vivida no passado, deixando essa realidade de estar indevidamente transformada e dissociada.

É claro que este é um exemplo que pela forma como está exposto diminui a complexidade do processo que é a necessidade de “pseudo ficar pior, para ficar melhor realmente”. Basta ver que, é possível fazer o contrário com muita facilidade, “ficar melhor, para ficar ainda pior depois”. Para isso bastaria que se diminuíssem as actividades sintomáticas iniciais sem que se trabalhasse a origem da problemática, isto é, se apenas se aniquilassem os sintomas. Ao fazer-se isso, primeiro a pessoa iria ter a percepção de melhoria, pois sentir-se-ia melhor, mas passado “algum” tempo seria inevitável que a dor voltasse, e tendencialmente até mais forte, pois a origem, a fonte da dor não teria sido trabalhada para que não mais a produzisse.

Quero também com isto dizer que é necessário perceber a dimensão real do que são realmente melhorias e do que é realmente ficar pior. O objectivo do terapeuta não pode (ou não deve) passar por “agradar” no imediato o paciente (e/ou as pessoas do seu mundo) com falsas melhorias e erradas expectativas.

Isto não quer também dizer que não se possa dar devidamente primazia à estabilização sintomática (vide, Castanheira, J. (2005), “A Primazia da Estabilização.” in Jornal de Albergaria de 14/12/2005) para que se possa mais tarde, com mais segurança e estabilidade do paciente (e menor risco de “crise inadequadamente desreguladora” por introdução de temas “delicados”), analisar adequadamente o passado perturbador e perturbante do paciente.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 29/07/2008

segunda-feira, 28 de julho de 2008

"Preliminar Psychometric Properties of the Portuguese Version of the Questionnaire about Interpersonal Difficulties for Adolescentes"

Abstract
This study evaluated the psychometric properties of the Questionnaire about Interpersonal Difficulties for Adolescents (QIDA) in a sample of Portuguese adolescents. Exploratory and confirmatory factor analyses supported a four-factor structure of the QIDA in the Portuguese sample: Assertiveness, Heterosexual Relationships, Public Speaking, and Family and Friends Relationships. Internal consistency (α = 0.91) and test-retest reliability (r = 0.84) were appropriate. The results revealed a clear and predictable pattern of relationships between the QIDA and the Social Anxiety Scale for Adolescents, the School Anxiety Questionnaire and the International Personality Item Pool.

por Cándido J. Inglés, João Castanheira, Filipe Ribeiro e José M. García-Fernández,
in XXIX International Congress of Psychology (ICP 2008, Berlin - Germany), 22/07/2008

terça-feira, 1 de julho de 2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

“O Reconhecimento Parental?”



Será de todo imprescindível que os objectos parentais (paterno/materno), ou os seus semelhantes significativos, não descurem na relação com os seus filhos a preservação do reconhecimento audível e visível, sem (ou quase sem) abstraccionismos comunicacionais ou subjectividades latentes, com o mínimo de distorções, deformações e ruídos perturbadores, para que a continuidade do vínculo não integre em demasia comprometimentos presentes e futuros, numa relação que se quer tão genuína quanto profunda, ao invés daquela tão falsa quanto superficial (?).

E as verdades que se escondem por trás de uma percepção de verdade, que se pensa que se transmite, mas que no fundo o receptor não adivinha, não sabe, e pode ficar numa razoável e permanente dúvida confusional na tentativa interpretativa de compreender mensagens claramente dúbias, com entrelinhas maiores e mais valoradas que as próprias linhas, um verdadeiro caos relacional fomentado pela dispersão entre o que um pensa que diz e o que o outro pensa que ouve.

Aliado a este sistema psicotóxico relacional poderá vir a criação de um falso self relacional, se bem que é nesse falso self que reside toda a interacção relacional que passa assim a caracterizar aquela que é a verdade da relação, ou seja, o que foi criado na base da insegurança, da dúvida, da incerteza, do confuso, do disperso, do indirecto, do subjectivo, do abstracto, poderá vir a ser a forma exclusiva da relação funcionar, sendo a relação verdadeira ainda que fundamentada em princípios de inexistência ou falsidade.

Este padrão relacional de indução de dúvida permanente, pode por exemplo implicar a incapacidade do principal elemento indutor (objecto parental) em lidar com aquilo que não diz claramente, cujas motivações podem ser erroneamente (re)dirigidas ao alvo da indução (filhos) num sentido pseudo-protector de um mundo demasiado agressivo/aversivo para poder ser visto ou sentido pelos seus descendentes, quando na verdade a evasão dissociativa da realidade começa naquele que não quer que os outros a vejam ou a sintam. Normalmente, esse mundo agressivo e/ou essa realidade evadida dissociativamente é nada mais nada menos que a própria intra-realidade do objecto parental, e também a realidade externa ao objecto parental na forma como ele a percepciona.

(A tentativa de?) Mostrar sinais sem lhes atribuir um significado, implica que o receptor o faça, mal ou bem.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 24/06/2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

«Bullying» abordado em tertúlia no Dia da Criança - Violência nas escolas «pode resultar em suicídio»




O grupo local de Aveiro da Amnistia Internacional pro­moveu, ontem, no Hotel Moli­ceiro, uma tertúlia sobre Bullying (violência escolar), a propósito da comemoração do Dia Mundial da Criança. A intervir estiveram o psicólogo clínico João Castanheira e um representante da Associação Consensus, que desenvolve tra­balho na área da Violência nas Escolas e Mediação Escolar.
O Diário de Aveiro falou com João Castanheira, no senti­do de saber o nível actual de
ocorrências do fenómeno, como se manifesta, e se as esco­las sabem lidar com a situação. De acordo com este psicólogo, apesar de o conceito de Bullying ser relativamente recente, «já existe há muito tempo; há casos muito anti­gos», defendendo que a solução não deverá passar pela inter­venção política.
João Castanheira afirma que «não se deve negligenciar a víti­ma», alertando para a impor­tância de «nos focarmos no agressor, com uma intervenção de fundo a nível terapêutico». «Eles próprios são vítimas antes de serem agressores, ten­tando deixar de ser minimiza­dos, inferiorizando os outros», explica, acrescentando o tipo de «agressor vítima, que res­ponde à agressão».
Actualmente, e de acordo com o psicólogo, as agressões verbais e a humilhação adquirem tanto peso como a agressão física, sen­do que a principal característica do fenómeno se prende com o seu «carácter de permanência, que pode ter como resultado extremo o suicídio».
Segundo João Castanheira, e baseando-se em estudos já efec­tuados, «existem crianças com predisposição para ser vítimas, pelas suas próprias características», das quais destaca a fragili­dade e a tendência para a depressão. «Os agressores e as vítimas têm características muito semelhantes; têm é uma forma completamente diferen­te de lidar com elas», revela.
No que respeita à sua opinião sobre se as escolas sabem como gerir o problema, João Castanhei­ra não hesita em responder que não, acreditando estarem a pre­parar-se nesse sentido, «princi­palmente a nível informativo». «É uma situação que se verifica, sobretudo, nos recreios, onde as crianças têm liberdade para parti­lhar uns com os outros; não há supervisão, senão entre elas pró­prias». Na sua opinião, a solução não passará pela anulação desta socialização interpares.
De acordo com os estudos mais recentes, o fenómeno está presente por todo o país, inde­pendentemente da região, sen­do que «quanto mais novas são as crianças, mais envolvidas estão», com maior incidência no sexo masculino.»


por Carla Real,
in Diário de Aveiro, 02/05/2008

quinta-feira, 29 de maio de 2008

“Por trás do corpo que avisto…”


Silhueta recortada em folha de papel, mostram-se em linhas os contornos da pele, permitem diferir o quão imagética distorcida há nessa realidade construída, e o quanto ela serve perfeitamente para esconder ainda mais fundo uma dor tão distinta dessa que se quer fazer demonstrar através do corpo “auto-deformado”.

Pode até parecer que não, a uma primeira e quem sabe segunda e terceira vista, que a dor posta no “concreto” de um corpo (não) corresponde a uma idealização qualquer, que é uma dor menor, ou melhor, é uma dor transformada, re-integrada, re-interpretada, uma bem mais suportável que aquela que realmente propulsiona, desencadeia, encadeia, o aparecimento dessas ditas perturbações do foro alimentar.

É demasiadas vezes “mais fácil” lidar com uma perturbação que tende para o palpável, do que lidar com aquilo que já nem se sabe bem o que é, o que foi e o que irá ser. Mas, a isso acresce um problema, o problema de se tentar apenas lidar com a sintomatologia considerando que essa sintomatologia é o problema em si, quando ela é apenas um dos resultados consequentes do real nível problemático. Assim, além de se desconsiderar o problema fundamental, ainda se corrobora com a distorção problemática que a pessoa de forma inconsciente elaborou para tornar “mais fácil” a sua vida, ou será, menos difícil?

Mais directamente, e para que não fiquem dúvidas, venho aqui afirmar algo que pretendo clarificar, que nem sempre as perturbações são aquilo que parecem à partida, e que muitas vezes são confundidos os sintomas com a doença, e um exemplo disso são as designadas perturbações do comportamento alimentar, que são o resultado sintomatológico de um quadro patogénico (prévio) e não a patologia em si (podendo no entanto tornar-se uma patologia em co-morbilidade com a(s) que a originou(aram)).

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 28/05/2008

sábado, 3 de maio de 2008

“Na linha do umbigo…”



Não parece assim tão claro que a possibilidade legível da linha divisória entre essa saúde (normalidade?) e essa doença (patologia?) seja assim tão pouco ténue e tão pouco ambivalente quanto tantas vezes a querem fazer parecer. No decurso de um qualquer dia-a-dia profissional, extasiado por um nível de experiência real mas ilusória, alguém se dá ao luxo de se basear e de se reduzir ao seu mais natural sentido pragmático no exercício do seu ofício. O discernimento de alter encorpado por toda a conjuntura da visão perceptiva, do que ela foi, do que ela é, do que ela se deseja tornar, sendo ainda essa nas três condições proferidas apenas uma mesma integral que apenas funciona mediante um elemento temporal imediato, pseudo-espontâneo e imediatamente passageiro. Onde reside afinal a dinâmica da prioridade hierárquica da importância? “Narciso…” (?)

Com siso ou sorriso, com mais ou menos “Narciso”, a linha é sempre a mesma (?), daquele gigante maciço, o umbigo da espécie humana, aquele animal mamífero, a designada e auto proclamada “humanidade”, a regra implícita do “bem” comum, esse prol de si próprio(s) que a todos (co)move em massas repartidas e unitárias, entre auto-focalizações universais e auto-guiões idiossincráticos, juntos descobrimos que “a razão” não é razão em si mesma, que não é esse o sentido propulsor desta nossa pequena imensidão, se o sentido só sentindo se encontra… (?)

Para muitos estas letras poderão representar um enorme conjunto de portas fechadas, para tantos outros exactamente as mesmas portas abertas… Para outros ainda, as mesmas portas não passam de passagens sem esse obstáculo limitativo que abre e fecha… Para mim, todos têm razão no mesmo tempo, no mesmo contexto e com os mesmos objectos… Mas eu, não quero ter razão, mas reparem que “desejo” que encontrem a vossa… “Narciso…” (?) Porque haverão de existir portas sequer? Ou sequer razão?

Custa assim tanto admitir que “ela” na realidade não existe, existindo apenas um “sentimento de razão”? Será assim tão difícil perceber que por muito raciocínio que tenhamos não somos verdadeiramente racionais? Será que ainda não percebemos que “a razão” que podemos ter todos ao mesmo tempo sobre as mesmas coisas não se chama “razão” mas sim “emoção (ir)racional”? “Narciso…” (?)

“Serei eu movido pelas razões ou por razões emocionais?”

“Narciso…” (?)

“Pelas duas’? Por nenhuma?”

“Narciso…” (?)



Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 29/04/2008

quinta-feira, 27 de março de 2008

“Já não aguento mais…”


“Chegou, cegou, aquele momento, em que o tempo não é tempo, em que o olho não me vê por dentro, ainda que apenas sinta esta dor sem fim…”

“É certo que é um mal de amor, um mal do coração, mas já não aguento mais isto, este ter que pensar sem querer, este ter que sentir sem poder, esta ausência de controlo de mim e do que quero ser…”

“Tenho vergonha do que sinto, e mais ainda de sofrer, de berrar aos gritos e de chorar sem saber… Parece mesmo que ninguém ouve ou jamais poderá ter a capacidade de ouvir, talvez seja porque o que sinto nem de urros berros se possibilitará de sentir…”

“Não posso admitir que estou frágil, se sempre me incutiram a ser forte mesmo quando toda a casa já há muito que tombou, e assim violento o mundo que me envolve para que ele não perceba o quão fraco(a) estou, o quão fraco(a) sou… e assim, defendo-me do mundo aversivo, sentimento intrusivo, com fortes ataques de raiva e ódio de amor…”

“Não, não posso, nem consigo, controlar e dirigir a minha vida, se toda ela é dirigida para e pelo sentimento que um dia gostei de ter, que hoje me atormenta não o poder decapitar…”

“Decapitá-lo, era isso que eu mais queria… resta saber se ao outro, se ao sentimento, se a mim…”

“Queria… melhor, quero apenas poder passar cinco minutos sem pensar naquilo que não quero pensar, encontrar paz, desaparecer… se o sentimento vai sempre comigo, então eu vou juntamente com o sentimento… mas, para onde? Se já estou mais morto(a) que vivo(a)…”

“Ao mesmo tempo que desejo ter uma pistola apontada à cabeça, também me apercebo que já é assim mesmo que me sinto, encurralado(a) por um tiro que desejo dar, por uma pistola que desejo encontrar, mas que não a quero ter que sentir…”

“E então? Nem morro nem vivo?”

“Ou será isto que é viver?”

“Está bem que não é possível, jamais, voltar a sentir-me como antes, tal como o mesmo poderá ser dito no futuro sobre o que sinto agora, mas não é também isso que me consola, nem é isso que me atormenta… o pior é o desejo de não desejar, porque o que desejo, e se o obter, se o concretizar, irá, ou poderá certamente piorar o que sinto… ou melhor, sinto-me assim porque quero o que ele(a) não me pode dar: um ele(a) ideal, sem defeitos nem feitios, sem dores… e desejar a ausência de dor será o mesmo que desejar não viver, porque não se vive sem sentir, e não se sente sem dor…”

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 25/03/2008

sexta-feira, 14 de março de 2008

“A Ingenuidade e a Genuinidade da Besta...”



Não procuro encontrar no encontro das minhas palavras com a leitura das mesmas, um processo pelo qual se pretendem fazer valer ensinamentos concretos (ou sequer mesmo ensinamentos em si), de objectividade de valência transmissiva daquele tipo de conhecimento que por alguns (e pela sua potencial necessidade de minimização da incerteza e consequente ansiedade proveniente) só o é quando positivista, baseado (talvez) em modelos prévios e padronizados do que foi, do que é, e do que por eles é pretendido e desejado que a ciência seja: uma ciência positiva.

A aplicação da técnica científica na prática clínica psicológica é um processo que indubitavelmente está e estará associado à envolvência complexa do “domínio” da subjectividade-objectiva da “técnica de aplicação da própria técnica científica”: a arte da aplicação da técnica cientifica pela própria arte.

Será assim tão escuro esse negro?

Não deverá ser suposto expectar ouvir respostas quando o que se faz são apenas perguntas, pelo menos as minhas respostas, pois são as vossas que a vós mais vos interessam, independentemente da qualidade auto-classificativa que nelas se sentem a sentir.

Exigir compreender?

A liberdade da (para a) “Besta Primitiva” é a “Sua” própria angústia de liberdade (libertação)?

Sou o que sou(?) também sendo o que sinto?

Se não há a aceitação por uns, há a compreensão dessa dimensão por outros?

Não pretendo, “aqui”, ser científico (“positivo”), se não é essa a forma, se não é esse o caminho, se não é esse o conteúdo, se não é isso que mais preponderância valorativa tem para compreender “o que sinto de ti”.

Como exigir uma outra forma “que não sou”? O valor da génese genuina independentemente da sua produção final...

Adaptar, quando se pretende libertar a “Besta”?

Aceitar, a existência tantas vezes frustrante do existir das “barbaridades”?

Não querer ser só a “Besta em Liberdade”, nem ser só ela na sua “Prisão”, mas não querer também que ela não exista quando é indissociável (d)a sua existência... não será querer ser mais (ou menos) do algo que (não) são?

Ninguém tem a obrigação de conhecer o que de si lhe é “intencionalmente desconhecido”. “Não sei ser outro que não este EU total e repartido”.



Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 12/03/2008

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

“Dinâmica e Repetição Relacional.”


Quando repetimos de uma forma cuja repetição existe independentemente da resposta ou situação a responder, voltamos a (pré) comportarmo-nos segundo aquele padrão cujo registo à muito está imprimido naquela nossa instância que nos designa os princípios, valores e moral. E até que ponto é nossa essa instância, no sentido da sua etiologia (primária) imprimida por outros, no sentido da ausência de real consciência e domínio, no sentido em que o nosso contributo intencional para a sua formação e disposição dinâmica actual é tão diminuto quanto é mínimo o nosso conhecimento sobre a nossa “auto-globalidade” psíquica.

O ponto de viragem: a percepção de controlo (e não o controlo em si) sobre a mudança. A hipótese de que a possibilidade de sermos detentores de contributos sérios e reais sobre o que os desígnios fatalistas em nós imprimidos pelos cuidadores primários é uma via para a nossa autonomia “pré-comportamental”: a criação de uma identidade pseudo alheia ao mundo externo primário. A alternativa ou o complemento “(auto) intra-induzido” à impossibilidade de não receber e ter que “aceitar” (naquela altura?) como nosso, aquilo que aqueles outros “objectos primários” nos atribuíram, para toda a nossa vida?

A interdependência extensível e inegável do vínculo sobrevivente, “pré-disposto” e exigente à própria natureza e condição mamífera, revela-se de forma tão “límpida” nas novas vinculações (reais ou fantasiadas), que esperamos tantas vezes que esses novos “objectos” compreendam e nos respondam da mesma forma que nos “ensinaram” a responder e a esperar respostas, ou pelo menos de formas semelhantes a essas provenientes das ligações afectivas primárias.

Quando essas expectativas são frustradas nas novas relações afectivas com esses novos objectos, podem dar-se acontecimentos internos de dinâmica conflituosa, como por exemplo, entre o que esperamos dos outros (novos objectos relacionais) e o que esperamos de nós (identidade expectável), entre o que os outros primários (os cuidadores “primitivos”) esperam de nós e aquilo em que nos tornámos (identidade dinâmica actual), entre o que de facto adaptamos à nova realidade relacional e o que repetimos de relacionamentos anteriores, entre o que a nossa percepção nos permite visualizar em termos de proximidade ao “eu real” do “eu ideal” e a sua inter-relação com a percepção do objecto “pseudo-externo”, entre outros.

No entanto, é necessário destacar que a existência de conflitos internos é condição indispensável à mudança psíquica, o que não significa de todo que todos eles sejam fundamentais ao salutar “desenvolvimento” pessoal de cada indivíduo. Ou seja, apesar dos conflitos serem necessários para que ocorram mudanças, nem sempre as mudanças que ocorrem são desejáveis e/ou agradáveis, e, nem sempre os conflitos têm resoluções pacíficas ou mesmo resoluções de todo. A própria não resolução conflitual implica mudança, a mudança é de carácter contínuo e permanente, tal como a existência de conflitos, tal como a própria existência (que é sempre relacional?).


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 26/02/2008

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

“O mundo das possibilidades infinito-limitadas…”



A “pseudo-auto-impossibilitação” da visualização de expectativas de materialização futura de alternativas ao padrão circundante, vicioso e viciante, tantas vezes fruto repetido época após época de colheita, alimento relacional restrito e restritivo, vindo da semente de sempre, cuidado por essa gente, que lhe espera o fruto maduro… e se o fruto não chega?

Sem divagações, todas elas necessárias à prescrição de outras tantas mais que acções, todas elas imposto clivado pelo servo desenfreado da jaula materna…

“O que não vejo para mim, não o conseguirei alcançar (?) …”

Fatalismo, ora entorpecido ora vivo, da visão turva ou mais ou menos “hiper-focalizada”, “para ver o que vejo agora, outras tantas coisas a minha visão me impede de ver…”.

A redução realista (?) à “auto-limitação natural”…

Não, não será também só noutro mundo que as possibilidades (alternativas) poderão ser infinitas, se elas forem congruentes com a “verdade” de elas próprias serem um pouco das duas coisas (e mais duma que doutra dependendo das “situações”?): a percepção não clivada, onde a aceitação do significado da existência simultânea do limitado e do infinito, produz mais que um mero sentido mental impraticável.

Entre ter-se acesso a essa informação, quase consciente e tanto mais pertencente ao outro que a envolve (o inconsciente), e a incapacidade natural de controlo real da mesma, existe um conjunto de ditames que poderiam perfeitamente pesar para um dos lados do “objecto” clivado (como se só dois lados ou dimensões existissem? … ou serão todos eles o mesmo, um só?). Ou seja, o elemento “pré-teórico” apesar de ter um maior peso real tem um menor peso percebido (?) …

O que é notório é que na prática a dimensão “teórica” é tantas vezes “auto-realçada” como a mais influente em todo o processo vital, quando ela está sobredimensionada, sendo subjugada à que verdadeiramente é detentora do poder vital de acção e de “inacção”.

Já para não falar falando, da dinâmica incontornável, incontrolável, imparável, que é a própria existência da dinâmica em si, em tudo, em todos, e sob todas as formas e perspectivas e não “pseudo-perspectivas”… Eu sei (?), mais um reducionismo clivado pela perspectiva “teórica”, uma “pseudo-perspectiva”?

Já que é tantas vezes forçoso que se clive para decidir em função da acção ou fantasia de acção, pelo menos que se clive pela forma que nos dá mais jeito, cujo proveito seja o mais benéfico para nós, dentro do que de salutar de nós esperamos (e/ou do que esperam de nós?).

No fundo o mundo das possibilidades é limitado pelas decisões que tomamos (no campo da tomada de decisão), ao escolhermos uma deixamos que outra se torne possível, e deterioramos a possibilidade de outras serem sequer hipóteses.

Antes de decidir, são limitadas pelo infinito e pela conjuntura das condições limitativas do próprio e do meio, e ainda pela percepção dessa limitações, e também pela focalização num dos lados… esperem, eu não disse que não havia lados?

Ou então, redundância atrás de outra, vim parar ao mesmo sítio em que estava no princípio: “o mundo das possibilidades infinito-limitadas”.

Porquê procurar o equilíbrio se o desequilíbrio também é homeostase?


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 12/02/2008

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

“Procuro iluminar-me no escuro, quando já nem a luz consigo desejar… (outra vida?)”


Não haverá muito tempo para discussões quando a emergência suplanta a dúvida razoável, a limitação que já existia torna-se escandalosamente maior, de um segundo para o outro, entre a vida em pleno sofrimento do segundo anterior e a expectativa do seu desaparecimento total e aniquilante no segundo que se segue…

Que sofrimento é esse não mensurável que ao mesmo tempo sugere ser dimensionado de intolerável, insuportável, incontornável, incompreensível, cuja solução aponta para hipóteses de finitude infinita, onde as ditas alternativas também infinitas não conseguem atrair nem o sentimento, nem o pensamento, nem o desejo de acção inactiva, do ser que não deseja “mais” do que a própria vida que deseja e que não consegue visualizar esse desejo (nesse momento)… Desejar a morte, não é desejar morrer, é desejar (continuar?) a vida de uma outra forma que não aquela que o fez desejar morrer (ou retirar-se daquela vida)…

(Um) (d)O(s) problema(s) está muitas vezes na incapacidade momentânea de desejar, expectar, imaginar, visualizar uma vida que não faça desejar àquele ser a sua própria morte: a incapacidade de sonhar ou a fixação no pesadelo(?).

A solução final, “(col)matante”, culminante, quando pretende ser a luz para iluminar a solidão, será o resultado mais escuro que a própria escuridão(?), como matar a solidão com o totalitarismo representativo da própria imensidão humanamente inatingível que ela representa?

Pois não… Não tem que fazer sentido, se o poder impulsivo estiver imbuído de expectativas de conclusão, de um final, qualquer que ele seja, um que seja “apenas” melhor que o sentimento do “segundo anterior”, nem que para isso o “segundo seguinte” seja a inexistência do ser…

Mas isso, não pode deixar de ser uma realidade enviusada, reducionista, nem diria propriamente distorcida, diria mais incompleta, aquela visão que não se dispõe a ver mais do que aquilo que a própria visão nem vê… De facto, querer morrer pela morte, não será “apenas” querer outra vida?


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 29/01/2008

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

“Esperança…”



Tenho tido algum feed-back de algumas das minhas crónicas, de pessoas reais, com problemas compatíveis com os descritos, pessoas que se revêem e que choram pela sua condição.

Quero dizer aqui, publicamente, a essas pessoas, e àquelas outras que não se revelam, mas que de formas semelhantes têm vindo a sentir as palavras que vou escrevendo por aqui, que o conjunto das minhas intencionalidades é em grande parte a elas dirigido. Isto é, a pretensão não é de modo algum desregular, desmotivar, descaracterizar, des-qualquer-coisa, mas sim ir demonstrando, à imagem das suas idiossincráticas interpretações das minhas palavras, que não estão assim tão sós nas batalhas interiores (e outras) que possam estar agora a travar, que muitas vezes (não todas) só através do contacto com a sua própria realidade é que possivelmente poderão adquirir posteriormente a esperança para a resolução ou amenização patológica (se não confrontarem a existência de um problema como o vão solucionar?), que é possível (embora muitas vezes com enorme custo pessoal) que o lado vencedor no final da guerra sejam vocês e não a doença (quando ela existe)…

Estas palavras de hoje, não pretendem ser meros adereços ou pendericalhos sem sentido, mas também não têm a intenção de ser mais do que vocês lhes possam significar.

A virtude e riqueza das vossas palavras (significados) não está no Português em si, está na vossa implementação dos conceitos que lhes atribuem: o que significa para vocês “esperança”?


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 15/01/2008