Como é do conhecimento geral, a transgressão das normas tidas em conta sob a forma legal, dispõe de sanções previstas para os transgressores, e, os lesados pelos actos dos transgressores dispõem também de direitos e deveres legais. Mas, não é de todo enquadrado nos objectivos que fundamentam estas crónicas divulgar verdades de la Palisse. Será sim (não só, mas também) poder incentivar as liberdades pessoais ao questionamento do totalitarismo das verdades consideradas como básicas e absolutistas.
Para clarificar mecanismos deambulatórios, e até consideravelmente justos por parte do leitor, devo orientar a generalidade do tema para a especificidade que pretendo abordar. Isto é, não se trata aqui de agendas políticas, vagas de corrupção, fiscalização inapropriada e ineficiente, reabilitação deficiente das instituições de punição activa, e entre tantos outros elementos passíveis de consideração (não é que estes elementos não estejam implicados directa e/ou indirectamente no assunto aqui abordado).
Trata-se sim de abordar alguns elementos relacionados com os processos jurídicos que estão implicados no desenvolvimento do que aqui chamo de Síndrome do Processo Jurídico. Ou seja, abordar tipos específicos de crimes e/ou transgressões legais que podem desenvolver, no indivíduo lesado, traumas mentais com génese por exemplo em violações de carácter sexual, violência familiar, homicídio, maus tratos e outros.
Na resolução do trauma mental, com génese em actos passíveis de punição legal tais como os acima mencionados, os lesados numa parte significativa das vezes recorrem ao seu direito legal de acusar os infractores. Não é da minha função fazer julgamentos sobre essa opção válida, mas quando por trás dessa opção estão motivações cuja fundamentação psíquica é distorcida relativamente ao que a realidade dessa opção oferece, então poderemos estar sob a eminência de um possível caso da síndrome que dá nome a esta crónica.
As motivações a que acima me refiro podem ser inconscientes, mais quanto à sua dinâmica funcional do que quanto ao seu conteúdo. Para que se entenda, as motivações podem ser algo do género (com base em crenças distorcidas e irracionais): a resolução traumática é proporcionada pela culpabilização do infractor; culpar o infractor sob a forma legal vai diminuir as consequências negativas do trauma instaurado; se o culpado pelo aparecimento da dor psíquica for punido ela poderá diminuir ou desaparecer; e, entre outras similares.
Quero eu dizer que o indivíduo pode conhecer parte dessa motivação no que respeita à sua materialização consciente em crenças (que o indivíduo desconhece serem irracionais), tais como as já mencionadas. O que o indivíduo pode não conhecer é a tal dinâmica funcional que deu origem a essas crenças e que as mantêm como sendo verdades racionais.
Não é demais recordar que o material inconsciente é pré-lógico, pré--linguístico e pré-racional, e, sendo que a origem das tais crenças é inconsciente, é também normal que as crenças se formem na base de todos os outros materiais inconscientes. É ainda relevante focalizar ainda mais esta questão, isto é, após uma situação traumática (como as já referidas) a busca incessante para minimizar os estragos utiliza todas as armas possíveis, mesmo as que não sejam as mais assertivas. O que é certo é que a assertividade é um tipo de linguagem que não se enquadra no material inconsciente, que é pré-linguístico.
Para não dispersar do tema, vou descurar todos os outros tipos de armas utilizadas pelos indivíduos após situação traumática, e concentrar-me naquela que vos tenho vindo a tentar expor: a criação de material inconsciente pós-situação traumática, que origina crenças irracionais sob a forma de material consciente, e, que em última instância podem levar o indivíduo a desenvolver a Síndrome do Processo Jurídico.
O que é então a Síndrome do Processo Jurídico?
A explicação mais breve, talvez a mais clara e a menos complexa, seria dizer que é o conjunto de características psicopatológicas que um indivíduo desenvolve quando numa situação pós-traumática utiliza a arma inconsciente, para além de outras, que lhe permite criar defesas conscientes, sob a forma de crenças irracionais, para poder combater, suportar ou minimizar os danos causados pelo trauma sofrido. Essa condição leva o indivíduo a ter falsas expectativas quanto aos objectivos do processo jurídico, isto é, basicamente acreditar que através da condenação do infractor a sua dor vai pelo menos diminuir, o que na realidade não acontece. O facto de o lesado esperar, consciente ou inconscientemente, que a condenação do infractor resolve os seus problemas mentais pode levá-lo a um estado de novo choque e/ou trauma agravado, pois chegar a uma nova conclusão de que a dor continua lá, que a condenação em nada aliviou o seu sofrimento, ao contrário do esperado, é o mesmo que dizer que estão então instaladas as condições ideais para o desenvolvimento da referida síndrome.
Claro que a juntar a tudo isto, não pode e nem deve deixar de ser referido que a normal morosidade de quase qualquer processo jurídico é uma inevitável forma de reforçar as características necessárias para o desenvolvimento da síndrome. Ou seja, após um longo período de processo jurídico em que o indivíduo acredita piamente que quando este acabar a sua dor também não se perlongará mais, e que para além disso já sofreu demais com o próprio processo e por causa dele que já não será justo sofrer mais, então o prognóstico torna-se ainda mais grave.
Reparem que de uma forma muito rudimentar estes indivíduos têm a expectativa de resolução de conflitos internos (lidar com o sofrimento causado pela situação traumática) através de soluções externas a si próprios (condenação do infractor através do processo jurídico). Tal como já disse anteriormente não me compete a mim avaliar a eficácia dos objectivos propostos pela lei. Mas compete-me alertar para aspectos peculiares, como este que vos trago.
Os processos jurídicos não resolvem os problemas mentais dos lesados. Pode mesmo acontecer que piorem esses problemas mentais, se não forem tomadas medidas necessariamente adequadas à idiossincrasia dos casos.
Para clarificar mecanismos deambulatórios, e até consideravelmente justos por parte do leitor, devo orientar a generalidade do tema para a especificidade que pretendo abordar. Isto é, não se trata aqui de agendas políticas, vagas de corrupção, fiscalização inapropriada e ineficiente, reabilitação deficiente das instituições de punição activa, e entre tantos outros elementos passíveis de consideração (não é que estes elementos não estejam implicados directa e/ou indirectamente no assunto aqui abordado).
Trata-se sim de abordar alguns elementos relacionados com os processos jurídicos que estão implicados no desenvolvimento do que aqui chamo de Síndrome do Processo Jurídico. Ou seja, abordar tipos específicos de crimes e/ou transgressões legais que podem desenvolver, no indivíduo lesado, traumas mentais com génese por exemplo em violações de carácter sexual, violência familiar, homicídio, maus tratos e outros.
Na resolução do trauma mental, com génese em actos passíveis de punição legal tais como os acima mencionados, os lesados numa parte significativa das vezes recorrem ao seu direito legal de acusar os infractores. Não é da minha função fazer julgamentos sobre essa opção válida, mas quando por trás dessa opção estão motivações cuja fundamentação psíquica é distorcida relativamente ao que a realidade dessa opção oferece, então poderemos estar sob a eminência de um possível caso da síndrome que dá nome a esta crónica.
As motivações a que acima me refiro podem ser inconscientes, mais quanto à sua dinâmica funcional do que quanto ao seu conteúdo. Para que se entenda, as motivações podem ser algo do género (com base em crenças distorcidas e irracionais): a resolução traumática é proporcionada pela culpabilização do infractor; culpar o infractor sob a forma legal vai diminuir as consequências negativas do trauma instaurado; se o culpado pelo aparecimento da dor psíquica for punido ela poderá diminuir ou desaparecer; e, entre outras similares.
Quero eu dizer que o indivíduo pode conhecer parte dessa motivação no que respeita à sua materialização consciente em crenças (que o indivíduo desconhece serem irracionais), tais como as já mencionadas. O que o indivíduo pode não conhecer é a tal dinâmica funcional que deu origem a essas crenças e que as mantêm como sendo verdades racionais.
Não é demais recordar que o material inconsciente é pré-lógico, pré--linguístico e pré-racional, e, sendo que a origem das tais crenças é inconsciente, é também normal que as crenças se formem na base de todos os outros materiais inconscientes. É ainda relevante focalizar ainda mais esta questão, isto é, após uma situação traumática (como as já referidas) a busca incessante para minimizar os estragos utiliza todas as armas possíveis, mesmo as que não sejam as mais assertivas. O que é certo é que a assertividade é um tipo de linguagem que não se enquadra no material inconsciente, que é pré-linguístico.
Para não dispersar do tema, vou descurar todos os outros tipos de armas utilizadas pelos indivíduos após situação traumática, e concentrar-me naquela que vos tenho vindo a tentar expor: a criação de material inconsciente pós-situação traumática, que origina crenças irracionais sob a forma de material consciente, e, que em última instância podem levar o indivíduo a desenvolver a Síndrome do Processo Jurídico.
O que é então a Síndrome do Processo Jurídico?
A explicação mais breve, talvez a mais clara e a menos complexa, seria dizer que é o conjunto de características psicopatológicas que um indivíduo desenvolve quando numa situação pós-traumática utiliza a arma inconsciente, para além de outras, que lhe permite criar defesas conscientes, sob a forma de crenças irracionais, para poder combater, suportar ou minimizar os danos causados pelo trauma sofrido. Essa condição leva o indivíduo a ter falsas expectativas quanto aos objectivos do processo jurídico, isto é, basicamente acreditar que através da condenação do infractor a sua dor vai pelo menos diminuir, o que na realidade não acontece. O facto de o lesado esperar, consciente ou inconscientemente, que a condenação do infractor resolve os seus problemas mentais pode levá-lo a um estado de novo choque e/ou trauma agravado, pois chegar a uma nova conclusão de que a dor continua lá, que a condenação em nada aliviou o seu sofrimento, ao contrário do esperado, é o mesmo que dizer que estão então instaladas as condições ideais para o desenvolvimento da referida síndrome.
Claro que a juntar a tudo isto, não pode e nem deve deixar de ser referido que a normal morosidade de quase qualquer processo jurídico é uma inevitável forma de reforçar as características necessárias para o desenvolvimento da síndrome. Ou seja, após um longo período de processo jurídico em que o indivíduo acredita piamente que quando este acabar a sua dor também não se perlongará mais, e que para além disso já sofreu demais com o próprio processo e por causa dele que já não será justo sofrer mais, então o prognóstico torna-se ainda mais grave.
Reparem que de uma forma muito rudimentar estes indivíduos têm a expectativa de resolução de conflitos internos (lidar com o sofrimento causado pela situação traumática) através de soluções externas a si próprios (condenação do infractor através do processo jurídico). Tal como já disse anteriormente não me compete a mim avaliar a eficácia dos objectivos propostos pela lei. Mas compete-me alertar para aspectos peculiares, como este que vos trago.
Os processos jurídicos não resolvem os problemas mentais dos lesados. Pode mesmo acontecer que piorem esses problemas mentais, se não forem tomadas medidas necessariamente adequadas à idiossincrasia dos casos.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 27/09/2005
in Jornal de Albergaria, 27/09/2005