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Artigos principalmente sobre Psicologia Clínica de Orientação Analítica e Psicanálise.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

“Pré-cog.?”

Se houvera “alguém” que de sua prezada dignidade faria o que deveria ter feito ao invés do que mais jeito na altura lhe daria, talvez, e só talvez, a conflituosidade envolvendo essa instância psíquica, a qual se conhece pela que incorpora a dinâmica incutida de valores, se dissipasse em harmonia interior entre as outras duas (instâncias psíquicas).
De forma descodificada, é também a diferença entre o que me disseram que deveria achar (pensar) e as modificações decorridas ao longo da vida dessa teoria incutida de valores. É ainda a diferença entre o que faço e o que acho (penso) que deveria fazer ou ter feito, ou entre o que “alguém” acha ou achou (pensa ou pensou) um dia e o que hoje faço ou fiz até ao dia de hoje.
Essa forma reguladora e regularizada por “alguém” que não nós, acaba por nos pertencer mais do que aos outros?
O comportamento… O meu inconsciente moderado pelo meu sub e dilacerado pela minha consciência, traduzido em acção (?!)… Todas (as instâncias) fazem parte da mesma, a que realmente controla: o inconsciente.
“Alguém” achou por bem introduzir elementos de controlo sob o elemento controlador, pois o medo deste “chefe primitivo” é fundamentado na terrível ameaça que ele em si representa: o ser humano enquanto ser puro e simples animal (?!)…
Calma! Outros animais, tão animais quanto nós têm neles introduzidos esses elementos de controlo… E essa introdução, é feita nos que não são domesticados, pelos seus semelhantes de espécie (e não só)…
Em que queremos ser mais? Em que é que somos mais? Será sequer possível ser mais que alguma coisa?
Uma das expressões mais hilariantes que um “alguém” de nós inventou e que atingiu um sucesso com assinalável conceptualização mítica, é aquela que diz que: “…somos diferentes porque somos seres racionais…”.
O que é ser racional?

Uma autêntica barbaridade, querermos acreditar que somos algo que nunca iremos ser… Um autêntico “falso-self” cultivado no campo social…
Somos mesmo animais racionais?
Pense bem?
Volte a pensar?
“Tente ser tão arrogante como um cão ou tão humilde como um ser humano...”
Se é assim tão racional, porque é que prevalece no cume da hierarquia que dita o comportamento o “chefe primitivo”? Aquele que nos controla e que nós apenas tentamos controlar (!?)…
Parece-me tão claro que o que dominamos de nós próprios é tão pouco que nem nós conseguimos ver (!?) (porque é inconsciente, e isso quer exactamente dizer que não temos acesso a essa informação vinda de nós próprios)…
Essa instância que nos controla verdadeiramente é pré-racional, é pré-cognitiva, é pré-verbal, é um mundo do qual pouco compreendemos e que não nos é possível desmentir ou aniquilar, pois a nossa própria consciência não passa de uma pequena e ínfima parte dela (do inconsciente).
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 23/01/2007

“Como distinguir envelhecimento normal de demência?”

Existe alguma dificuldade natural na distinção do que são as características próprias de um “envelhecimento normal” e de uma “demência”. Mesmo entre os técnicos de saúde cuja competência se apropria a esse efeito, as dificuldades diagnósticas estão presentes. Ainda assim, proponho deixar algumas dicas tipo, no sentido da simplificação e alerta para os que rodeiam e convivem com pessoas propensas a este tipo de confusão de nomenclatura, e/ou confusão entre um tipo de normalidade e de patologia.
Assim, fazem parte das características tipo principais de “envelhecimento normal” o enlentecimento ou lentificação mental, uma diminuição da capacidade de retenção de informação nova, dificuldades para evocar nomes, diminuição da flexibilidade mental e a manutenção da linguagem e da memória remota.
Por outro lado, como características tipo principais de “demência” incluem-se um declínio das funções cognitivas em relação ao nível anterior (alteração e deterioro da memória para registar, armazenar e recuperar informação nova e perda de conteúdos referentes à família e passado; alteração e deterioro do pensamento e raciocínio com redução do fluxo de ideias e problemáticas atencionais, etc.), um défice significativo nas diversas áreas que permitem a execução de tarefas da vida diária (vestir, comer, etc.), “consciência clara” (excepto em alterações episódicas), e, estando esta sintomatologia presente durante pelo menos 6 meses.
Comparando o parágrafo referente às características de “envelhecimento normal” com o referente à “demência” parece certo que a linha de distinção entre os dois conceitos é bastante ténue e até um pouco ambígua. Baseado apenas na descrição anterior encontramos poucas diferenças, sendo que as principais e mais salientes referem que no “envelhecimento normal” mantêm-se a linguagem e a memória remota enquanto que na “demência” ambas estão em princípio sujeitas a alterações e/ou deterioro.
Mas, é necessário fazer perceber que de facto as diferenças vão-se fazendo notar cada vez mais em consonância com a evolução, fase e tipo de “demência”. Mesmo independentemente disso, uma “demência” tem em princípio características fortes e observáveis, tais como, alterações da linguagem, do movimento, da percepção e da execução que não devem estar (em princípio) presentes no “envelhecimento normal” (podendo no entanto estar presentes noutros tipos de patologia que não uma “demência”). Estas alterações levam quase necessariamente a uma alteração do padrão comportamental e relacional anteriores do indivíduo repercutindo-se na vida familiar, social e profissional.
Importa saber que se tem conhecimento de casos com características semelhantes ou parecidas com as aqui descritas, se deve dirigir a um dos 3 profissionais de saúde que são mutuamente necessários para lidar com este tipo de casos, ou seja, um Psicólogo, um Neurologista e um Neuroradiologista. Todos estes 3 profissionais são necessários para fazer um diagnóstico de “demência”, não estando nenhum deles “habilitado” a fazê-lo sozinho.
Já no que diz respeito ao seguimento e/ou tratamento no caso de diagnóstico positivo de “demência”, isso irá depender em grande parte do tipo de “demência” diagnosticada, assim como da fase e evolução da mesma. É neste sentido útil estar atento à sintomatologia indicada para que se possa acompanhar adequadamente o mais cedo possível estes casos, já que de uma forma geral quanto mais cedo for descoberta a patologia melhor será o prognóstico.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 09/01/2007

“Relato de um mundo intra-psíquico.”

É certa e aparentemente mais fácil no imediato retirar a “mão do fogo”… Mais do que isso, é até o mais próximo do que a natureza biológica nos indicia a fazer… Se queima, e dói, porquê deixar arder? E pior, ou mais difícil, porquê procurar a dor?
Repare-se que procurar a dor é notoriamente divergente de provocá-la, isto é, a busca de um sofrimento já existente, e não causar uma nova dor através de uma antiga…
Diga-se que é de todo intencional, esta vasta e agreste dispersão abstracta de frases cujo sentido significante se pretende invocar, através da lacuna propositada de objectividade, permitindo à perspectiva individualizada que se envolva no seu próprio carácter fantasmático e pessoal…
Uma pergunta, embora básica, será: “Estando a minha mão poisada sobre um bico de fogão a gás a arder, o que é que faço primeiro?”…
A dado momento a resposta poderá parecer-lhe tão básica quanto a própria questão… O seu sentido poderá esvanecer-se… Mas, de todo o seu significado sai fora, se a dor que o queima não vai embora, com ou sem bico de fogão….
Chegar ao ponto de não se saber porque está a doer… Simplesmente dói… O sofrimento evitado, camuflado, retraído, recalcado, é agora uma onda permanente de dor que emerge do fundo, de onde foi forçada a ir, quando o que mais “óbvio” era sair desse seu mundo…
É também e ainda a velha história do momento certo… Se nesse momento não se sofre o que há para sofrer (ou se tenta que isso aconteça) o mais certo é vir-se a sofrer de forma abstracta essa dor transformada… Transformada em dor vazia de sentido e significado, baseada num “não sei” permanente de “desesperança”…
A necessidade de um significado para a dor? A necessidade de um próprio significado? Quando se está “aqui”, ou se “acaba”, ou se volta “lá” para se poder “continuar”…

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 21/11/2006

“Sinais (de ti).”

A avaliação do estado psíquico de alguém por parte de uma qualquer pessoa pode ser fundamental como medida de fonte de encaminhamento. Pode mesmo dizer-se que existe um conjunto de factores de análise que estão ao alcance dos demais, de uma forma simples e até bastante objectiva.
Importa antes de mais, ter uma noção dos conceitos de normal e patológico, que apesar de à priori parecerem demasiado abstractos e relativos, podem tornar-se mais simples e objectivos, se forem seguidos parâmetros específicos de perspectiva.
Normal, dentro do contexto acima descrito, será tudo aquilo que se apresenta dentro de um padrão de norma (para uma cultura, faixa etária e sexo, de forma específica), ou muito basicamente do que é mais habitual/normal de acontecer/existir (dentro dessa cultura, faixa etária e sexo). Pode ainda referir-se como normal, tudo o que foge a esse dito padrão, desde que esse desvio não comprometa ou ponha em causa o “bom” funcionamento do indivíduo nas suas áreas de vida (pelo menos as mais básicas).
Como patológico, pode considerar-se tudo aquilo que foge ao referido padrão de normalidade (e de funcionamento anterior) e que sem qualquer dúvida impede o “bom” funcionamento do indivíduo (de forma “clinicamente” significativa) numa ou mais áreas da sua vida. Pode ainda ser considerado patológico, tudo aquilo que embora não pareça desviar-se do referido padrão, mas que ainda assim afecte de forma negativa e indiscutível o funcionamento “assertivo” dessa pessoa, também numa ou mais das suas áreas de vida.
Ou seja, o que aqui se quer realçar, é que qualquer um de nós pode perceber se uma pessoa está actualmente a funcionar devidamente nas suas mais diversas áreas de vida, ou se pelo contrário esse funcionamento está de certa forma debilitado, desajustado, desequilibrado, deficitário, ou mesmo se não está a funcionar (e se esse “mau” funcionamento por sua vez está a afectar a condição psíquica do indivíduo, e vice-versa). Essas áreas de vida são por exemplo a vida fisiológica (alimentação, o sono, etc.), a vida laboral (ou escolar), a vida amorosa/sexual, a vida familiar, a vida social, entre outras.
Outra questão é a capacidade que quer o próprio, quer os outros têm para fazer de facto uma análise deste tipo, pois a perspectiva idiossincrática do mundo misturada com um determinado tipo de estados psíquicos incapacitantes de olhar a realidade sem que esta se apresente de forma distorcida, pode ser um dos tantos factores que funcionam como entrave à referida análise.
Bom, mas essa análise pretende-se simples, superficial, prática e objectiva (!), para que ela possa cumprir um objectivo de pura e simples pré-avaliação do estado psíquico (no sentido do encaminhamento ao profissional de saúde), dentro da dicotomia do normal versus patológico.
Claro que tornar algo que por natureza ou “defeito” não integra essas características de simplicidade e objectividade na coisa mais fácil do mundo, requer regras para a concepção da própria análise. Regras essas que são muitas das vezes contra natura da própria realidade (ou altamente reducionistas), o que nos poderia fazer pensar que assim: quem é quem dentro da (ir)realidade?!
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 07/11/2006

“SAPO.”

Ora aí está!
A confirmação que todos esperávamos, de que realmente todos os esforços estão a ser feitos no sentido da melhoria permanente do Serviço Nacional de Saúde!
Já podemos dormir todos mais descansados pois dá para perceber que os dinheiros públicos para a saúde estão determinados a ser bem gastos, e, principalmente sempre destinados com base em premissas de valoração da melhoria dos cuidados em si e não com fundamentos meramente economicistas.
É isso mesmo… Agora já não vai mal, simplesmente não vai…
Deixando as dolorosas ironias de lado…
De que poderá valer fundamentar, direccionando as argumentações em etiologias referentes à (por exemplo) necessidade incontestável e incontornável da continuidade de um serviço, porque na realidade a sua existência contribui e implica níveis de qualidade de saúde, se (…): na percepção do pseudo ouvinte dessas argumentações não estão incluídos (reais) parâmetros de qualidade mas sim de quantidade.
“Nós” falamos português e “eles” numa língua inventada à pressão… Então, teremos “nós” que falar uma língua que não é nossa para que possamos ser ouvidos no nosso próprio país?! Ou vamos simplesmente deixar que uma língua nova invada o nosso território, que “eles” se ponham a falar para nós assim?!
O que se passa (não!?) é mais do que a típica demonstração de poder absolutista e elitista, que não pretende ser claro, que tem segundas intenções, que se apresenta numa forma e é realmente outra…
Não é da minha pretensão sustentar uma de tantas “teorias da conspiração”, o que objectivo é a reflexão dirigida à acção, deixar a fantasmática improdutiva e mesmo deficitária substituindo-a por uma realidade mais positiva e mais verdadeira…
Cada “um” que pense por si?!
“Um” que pense por todos?!
“Nós”?! “Eles”?!
Divididos ou não, estamos decididamente sem mais uma ou outra coisa (e com outras tantas a mais) … Nem tudo vai mal, resta saber para quem… Mas como não estou aqui para falar de generalidades, não temos SAP, temos SAPO.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 17/10/2006

“Burlas e burlinhas: mais um conto de fadas psicanalítico.”

“O lobo que veste a pele de cordeiro”, pode e deve ter diversas interpretações, aqui vou focar-me apenas em duas mediante a perspectiva da intencionalidade: o lobo que sabe que é lobo e que veste a pele de cordeiro de forma intencional, e o lobo que pensa que é cordeiro e que veste a pele de cordeiro de forma ingénua (domesticada).
O que é certo é que ambos são lobos e ambos vestem uma pele que não é sua para se poderem “juntar” (aproximar) a um rebanho de potencial alimento. Forma mascarada como parte da metodologia e estratégia de caça no primeiro caso, automatismo etiológico de base genética e réptiliana (instinto sobrevivência). No segundo, a mesma estratégia e o mesmo instinto, mas intragado pela ignorância ingénua proveniente de uma domesticação ou impressão de regras e valores no aclamado sistema psíquico regulador da moral que é o subconsciente.
Com ou sem princípios de moral, ambos não se livram de actuar de forma similar, ou talvez o segundo se retraia (até porque não tem necessidade real de caçar para a satisfação alimentar – comida no prato), ou caso actue fique com problemas ou desenvolva conflitos intrapsíquicos, aquilo a que vulgo se chama culpa ou peso na consciência…
Independentemente disso, os dois têm um desejo inato de oralidade alimentar pelos mesmos cordeiros, os primeiros saciam-se sem problemas de moral e os segundos sentem-se culpados por acharem que fizeram mal (se o fizerem). Afinal de contas, o que está em causa acaba por não ser o que é certo ou errado fazer, mas sim o que se faz. E o que é que fazem os lobos neste conto?
Parece-me que o leitor está inteirado da resposta mais assertiva à questão acima exposta, mas nem tudo é aquilo que parece, ou melhor, o mais comum são as coisas não serem bem aquilo com que se afiguram, tal como o cordeiro que é apenas um lobo. A questão deixou de ser o cordeiro que é apenas um lobo, para passar a ser: que tipo de lobo é aquele cordeiro?
Por muito domesticado que esteja o lobo ingénuo o seu desejo é comer as ovelhas, por muito que esse lobo se queira esquecer do que realmente é não o deixará de ser por causa disso… Ao invés, o lobo que sabe que é lobo, aceita a sua condição de vida, aceita-se a si próprio, até porque ninguém é alguém para julgar se o lobo é mau e o cordeiro é bom… O lobo é “apenas” um lobo, e deve sê-lo como é para não o deixar de ser, no sentido em que a sua existência é tão digna como a de qualquer outro animal.
Bem, a minha função não é defender o direito à existência animal enquanto ser no seu estado selvagem, até porque não é a isso a que me refiro, mas sim o direito à autenticidade que pode ser ou não imbuída de um sistema (simples ou) complexo de valores. Basicamente, ambos os lobos são autênticos, mas apenas um é genuíno.
Voltando aos cordeiros, nem todos servem de alimento imediato, nem isso seria possível, pois para bem da sobrevivência de ambos, haverá sempre mais cordeiros no rebanho do que lobos a atacá-lo. Note-se também, e por muito óbvio que pareça é mesmo assim necessário referir, que os lobos existirão enquanto houver cordeiros, e tanto uns como outros são precisos para ambos (é claro que estou a ser reduccionista na metáfora diminuindo o universo a duas espécies animais, mas para o título serve quase perfeitamente…). Poderão os cordeiros viver sem lobos? (…)
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 19/09/2006

“Dissociação física, dissociação mental…”

Quem me conhece, quase de certeza já me ouviu dizer que se deve “enfrentar os problemas no sentido da sua resolução”. Essa premissa de actuação deve ser altamente contextualizada e adequada assertivamente, e nunca tida como fórmula ou máxima que se aplique a qualquer situação. Mesmo antes disso é necessário compreender as ditas palavras para que não se caia em erros de interpretação que façam com que se exerça o sentido oposto do que à partida seria tido em conta como muito benéfico.
Ou seja, torna-se necessário esclarecer pelo menos que: existem etapas das questões problemáticas cuja dissociação é mais benéfica do que a confrontação, tornando-se assim a dissociação pontual e temporária uma forma assertiva de “enfrentar os problemas no sentido da sua resolução”; os trâmites que caracterizam quer as questões problemáticas e tudo que as envolve, quer o indivíduo, são factores condicionantes para a própria interpretação da premissa referida; por vezes, é necessário conjugar níveis de realidade e de dissociação da mesma, para que se possa sequer chegar a perceber que existe uma ou várias questões problemáticas; e, poderia continuar infindavelmente a referir pontos de referência para a relativização da frase que não deve ser dissociada de um contexto ao qual poderá ter sido aplicada…
Como de costume, de forma a reduzir os níveis teóricos, deve ser dado um exemplo real (com a habitual salvaguarda de confidencialidade)… Uma pessoa com uma psicopatologia, como é o caso da conhecida e vulgarizada depressão, deve sem dúvida reconhecer e enfrentar essa questão problemática no sentido da sua resolução. Ora isso não deve significar necessariamente que essa pessoa dissociar-se dessa problemática seja mau ou bom, útil ou prejudicial, ou qualquer outra classificação que se lhe queira atribuir. Pode significar sim que dissociar-se do problema quando o mais benéfico era enfrentar (confrontar) pode contribuir para o seu agravamento, ou significar que enfrentar o problema quando o mais útil era dissociar pode igualmente contribuir para pelos menos não trabalhar no sentido de uma melhoria. Basicamente, o importante nesta questão está na capacidade de discernimento no sentido de distinguir quais são os momentos para quê. É preciso fazer-se notar que numa “grande parte”(?!) das psicopatologias essa característica fundamental não tem normalmente peso suficiente para influenciar numa decisão que até nem faz parte, dessa parte do inconsciente, que é a consciência…
Parece-me que para quem tinha por objectivo simplificar com um exemplo prático, não fiquei sequer perto de um esclarecimento… mas devo recordar que esse pode ser apenas um objectivo subliminar e dissimulado de um outro maior: a empatia – a capacidade (sobre)humana de nos colocar-mos na posição dos outros.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 06/09/2006

“Hipótese situacional metafórica?”

E se alguém chegasse à sua (legítima) casa com dois ou três guarda-costas e lhe dissesse que a partir daquele momento teria que desocupar a sua residência a bem ou mal?
O que é que faria?
Para onde ia você e a sua família?
Que sentimentos teria perante a situação em si e perante os autores de tal acto?
Pois é, esta é uma hipótese situacional metafórica que tem mais de real do que de fantasia… Será que para além daqueles que sentiram e sentem na pele a inclassificável violação de propriedade (mental), mais ninguém vê o que se passa? Obviamente que cada pessoa está (por defeito) impossibilitada de se dissociar da sua própria construção perceptiva do mundo e de si própria… Mas, essa condição não é impedimento de um esforço empático (e não simpático) que lhe permita ir mais além no que toca à dimensão (pseudo-epistemológica) da perspectiva alheia.
Bem, mas não me quero afastar do tema que é desta vez uma quase pura escolha do leitor, já que a obscuridade da mensagem aparece aqui sob forma de código próprio para que cada um a decifre à sua maneira (como se isso não acontecesse sempre)… Desmistificando, a questão pode muito bem ser: Mas afinal de que se trata a dita “hipótese situacional metafórica”? Pense por si, se quiser… Leia outra vez as primeiras frases em forma de questão, se lhe apetecer… Coloque as suas próprias questões, se lhe aparecer a palavra… porquê(?)…
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 22/08/2006

“Eu Phatos?”

As palavras nem sempre são o que parecem…

Existe um número elevado de pessoas que chegam à consulta psicológica com uma ideia pré-formada sobre qual a patologia que consigo transportam, criada sob diversos fundamentos, desde crenças pessoais até diagnósticos clínicos anteriores.
Algumas das vezes essa ideia (auto) caracterizante corresponde de forma assertiva à realidade existente, sendo assim fonte de ajuste para uma possível implementação terapêutica com potencial de sucesso acrescido. Outras tantas vezes, a referida ideia de si próprio contém um desfasamento entre a realidade percebida e a realidade existente, ou seja, por exemplo pessoas que pensam que têm depressão e que afinal têm um a perturbação da personalidade, pessoas que pensam ter uma ou várias patologias e que afinal não têm nada, e assim sucessivamente.
As consequências de um desajuste deste tipo podem ser todas ou nenhumas (mais vago não poderia ser…), isto é, vai antes de mais depender da interpretação perceptiva mais do que da percepção em si. De qualquer forma, grande parte das ditas consequências estão por norma já implantadas quando chegam à consulta. Quando existe a necessidade de (re)ajustar a realidade desagregada destas pessoas, com ideias concebidas à priori, também aqui as consequências podem ser adjectivadas de mais ou menos “chocantes” consoante o grau de desajuste presente (e dependentemente de toda a complexidade de factores, assim como da existência de entidades patológicas ou não…).
Por palavras meigas, (e apenas como exemplo) existem pessoas que suportam vivências sob forma de crença implantada que não corresponde à realidade em si, a realidade não deixa de existir, mas é substituída por uma outra que não é verdadeira, criando-se em si próprio o perigo da construção de um “falso self”, uma cena psicótica…
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 04/07/2006

“Dicotomia – polo inverso.”

Cabe-me a mim, também a competência da (auto) rectificação complementar, isto é, exercer a capacidade de corrigir o incompleto, completando. De forma menos alheia da luz clarividente, quero referir-me à crónica anteriormente publicada “O que não sofri...”, com a intenção de complementá-la com necessárias fontes de informação, para que a sua compreensão se torne um pouco mais holística.
Nessa crónica o conteúdo mais significante refere que, e de forma talvez simplista e reducionista, “....não é o sofrimento que origina a patologia, mas sim o não vivênciar do mesmo na altura que se pode considerar como mais assertiva.”. Apesar de ter um grau de ambiguidade maior do que o seu grau de precisão, essa afirmação na sua essência de acção, está fundamentalmente no caminho mais acertado.
O que falta referir diz respeito não à conceptualização teórica da informação presente, mas sim à clara omissão do polo inverso da dicotomia implícita (“sofrimento Vs. felicidade”). Quero eu dizer que, no que respeita à essência de acção quer o sofrimento, quer a felicidade funcionam num mesmo tipo de registo neste contexto que aqui é abordado. Ou seja, posso também dizer que, tal como o sofrimento não vivenciado na altura mais assertiva pode ser um dos factores de propensão à psicopatologia, também a felicidade não vivenciada na altura mais assertiva pode ser um desses mesmos factores de origem psicopatológica.
Este texto parece por ora conduzir os leitores para o tema da característica presente em algumas patologias do foro psíquico referida na literatura da especialidade como embotamento afectivo. Mas, neste contexto o embotamento afectivo tal como referenciado na dita literatura não pode ser aplicado, pois significaria ausência de expressão externa de emoções e afectos. De qualquer maneira é de grande dificuldade discernir o que diferencia o embotamento afectivo característica, da falta de assertividade na expressão/ exteriorização afectiva, até porque quer num quer noutro há uma conjuntura de vivência intrapsíquica dos afectos que não dá aso a grandes permissividades de exteriorização.
Para facilitar essa distinção pode dizer-se que no embotamento afectivo clássico (característica) o indivíduo não expressa de forma alguma os afectos para o mundo externo, enquanto que no contexto de não assertividade o indivíduo para além de ter a capacidade de exteriorizar os afectos, é incontornável que o faça, embora eles se apresentem sob formas diferentes daquelas que seriam as mais convenientes para a sua saúde mental.
Deve ser também referido que esta é uma visão que pretende separar conceitos para os compreender, conceitos esses que estão de tal ordem interligados, que seria por bem que os pudesse-mos compreender na sua globalidade conjuntural. Para além disso, como ressalva, pode obviamente ser possível, e de facto acontece, existirem casos em que o embotamento afectivo e a não assertividade afectiva estão presentes em simultâneo.
Como pode então a felicidade não vivenciada na altura mais assertiva ser um factor de propensão à psicopatologia?
A resposta a esta questão está implícita na referida crónica (“O que não sofri...”) e também nesta. Será de grande utilidade para o leitor pensar por si próprio na busca de respostas para si e para o mundo que o rodeia.
O que está implícito (“inconsciente”) será sempre mais explícito (“consciente”) para cada pessoa, se for a própria a achar as respostas que considera mais pertinentes (“subconsciente”) para cada pergunta.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 27/12/2005

“A Primazia da Estabilização.”

A questão da existência de problemáticas do foro psíquico no indivíduo na perspectiva da sua resolução passa pelo quase que inquestionável investimento na descoberta das etiologias fundamentais para o seu aparecimento sintomatológico. Ou seja, torna-se necessário não só aniquilar a existência da sintomatologia, como também tratar os parâmetros que deram origem à sua existência. Isto se o que se pretende tiver em conta uma real resolução da doença e não o simples tratamento dos seus sintomas.
Ora, dizer-se isso parece pelo menos bastante razoável do ponto de vista terapêutico, mas isso é apenas um dos possíveis objectivos últimos a atingir numa terapêutica de carácter psicodinâmico. Quero eu dizer, ou melhor realçar, que embora isso seja de clara importância, é também necessário não descurar objectivos de carácter mais urgente.
De uma forma mais específica é preciso realçar que sem o cumprimento de objectivos intermédios e de características de urgência não será possível cumprir outros tantos objectivos de médio e longo prazo.
É então necessidade primária dar ênfase à estabilização do paciente nos vários sentidos que essa estabilização pode implicar, tais como a estabilização necessária à aquisição de condições psíquicas necessárias à prática da psicoterapia, como a estabilização necessária para o desempenho diário do indivíduo ausente de perigos para o próprio e para os outros que o rodeiam, como a estabilização necessária no sentido de mínima preparação para o sofrimento incontornável resultante da análise etiológica, e tantos outros motivos que a tornam tão pertinente.
Basicamente, e a título exemplificativo, de nada vale uma perspectiva de análise etiológica se entretanto o paciente se matar. Isto não quer porém dizer que se deve tratar de uma forma simplista e primária a sintomatologia da doença, aniquilando-a. Até porque por norma se isso se fizer nessa perspectiva a tendência é para esses sintomas se revelarem sob outras formas. E, muitas das vezes a única forma de eles não se transformarem noutras coisas (continuando sintomas da mesma doença) é através da resolução da doença em si e não do foco sintomático.
O que realmente aqui se quer deixar bem claro, é que independentemente da resolução da doença e dos seus componentes sintomáticos, é necessário dar primazia à estabilização do paciente para que seja então possível atacar a doença com níveis de segurança mais aceitáveis.
Descurar a estabilização em prol de uma análise directa e de um ritmo psicoterapêutico sem assertividade e adequação pode custar desde a ineficácia e ineficiência da terapia em si até a consequências alheias à terapia de prejuízo extremo para o paciente.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 14/12/2005

“O que não sofri...”

A interpretação, a adaptação e a forma de lidar com os factores do mundo externo (isto é, aqueles do foro extra-psíquico que não estão ao alcance do controlo do indivíduo) apresentam-se muitas vezes como objecto de análise terapêutica. O mais comum seria pensar-se que desses factores externos os mais relevantes para a contribuição etiológica do desenvolvimento psicopatológico seriam os designados acontecimentos aversivos, mas isso nem sempre se mostra próximo da realidade.
Um acontecimento aversivo é desde logo uma forma interpretativa do próprio acontecimento, e consequentemente essa forma interpretativa inicial desde logo irá condicionar toda a perspectiva de adaptação e coping (a forma de lidar com...). De toda a maneira extender-me em demasia sobre este aspecto iria também limitar a abordagem ao tema proposto. Assim, será preferível deixar a porta aberta sobre ele, para que cada leitor possa reflectir sobre a sua própria interpretação, adaptação e coping aos factores do mundo externo, sem ser influenciado pela dinâmica escrita.
O que realmente não pode passar em claro são as interpretações distorcidas, as inadaptações e as formas de coping que influenciam o indivíduo no sentido psicopatológico, independentemente do foro caracterológico dos acontecimentos do mundo externo.
Para que fique esclarecido não é aqui posta em causa a realidade, ou o que é real, pois o que interessa ao nível psíquico é a realidade de cada um e/ou a forma como cada um a vê. Interessa também pôr de certa forma em questão a realidade de certas pessoas, desde que ela seja prejudicial ao próprio e/ou aos que o rodeiam, isto é, formulações sobre a realidade de carácter psicopatológico.
Passando para a prática e para os exemplos (abstractos para protecção da confidencialidade dos pacientes). Em determinado momento da vida de alguém surgiu um acontecimento externo cujo grau de significância foi elevado (sendo que esse grau elevado foi incontestável, incontornável e inevitável para a própria pessoa) e ao mesmo tempo caracterizado pela pessoa como altamente negativo. Essa pessoa adaptou-se a esse acontecimento negando-o, ou seja, dizendo para ela própria que não aconteceu, não foi verdade, aquilo não se passou na sua vida. O objectivo dessa negação foi evitar que esse acontecimento da realidade externa a deixasse em sofrimento em elevado grau (essa negação poderia não ter sido patológica se não se tivesse prolongado muito para além do assertivo).
O tempo foi passando, até que dois anos mais tarde apareciam os primeiros sintomas de depressão. Três anos mais tarde a sua vida era auto-considerada como insuportável. Essa pessoa tinha por exemplo vontade de chorar permanentemente e quase nunca sabia sequer porque estava triste, achando que não existiam motivos aparentes para essa tristeza pois não lhe tinha acontecido nada de mau.
O que é certo é que ela tinha razão, as verdadeiras motivações que estavam na origem de toda aquela tristeza desmesurada e sem sentido aparente, estavam lactentes, remetidas para o inconsciente, sob a forma inicial de negação e sob a forma actual de auto-repressão e recalcamento.
Aquela pessoa tentou evitar o inevitável: o sofrimento (associado ao acontecimento externo). Esse sofrimento reprimido, e não vivenciado quando lhe era mais devido, tornou-se diferente (por alguns também considerado como maior), arrastado no tempo, fechado na sua vida intrapsíquica.
É de boa conveniência salientar que não é o sofrimento que origina a patologia, mas sim o não vivênciar do mesmo na altura que se pode considerar como mais assertiva. O mesmo acontecimento vivido pela mesma pessoa pode ser factor desencadeante de elementos patológicos ou não. O indivíduo singular não controla a maioria dos factores externos (e até mesmo os internos, mas isso é outra questão...), mas a forma como lhes dá significado, a maneira como lida com eles, pode ser o suficiente para diferenciar entre a patologia e a saúde mental.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 29/11/2005

“Terapêutica farmaco-medicamentosa.”

Como é do conhecimento geral, eu sou Psicólogo, e não é da minha competência profissional prescrever terapêuticas à base de fármacos para problemáticas do foro psicopatológico. Essa função diz respeito a outra entidade profissional: o Psiquiatra.
Devo desde já alertar que procuro propor aqui uma perspectiva construtiva e incentivadora da colaboração pluridisciplinar, em pról do melhor benefício dos pacientes. Este ponto aparece enquadrado numa concepção quase mitológica da rivalidade hipotética, subliminar e ao mesmo tempo tantas vezes obvia que existe entre estas profissões.
A etiologia desse quase mito, pode estar em várias componentes pseudo- abstractas, como a ameaça da Psicologia à Psiquiatria derivada do entrusamento entre competências profissionais, ou seja, ambas têm âmbitos de interesse similares, e sendo a Psiquiatria mais antiga que a Psicologia, uma sente-se ameaçada por outra...
Poderiam e não deveriam existir razões para tal hipotética divergência, já que embora o âmbito de interesse seja similar, os métodos de abordagem são diferentes. Mesmo assim há ainda quem defenda que um é melhor que o outro e vice-versa.
Na realidade não há um melhor do que outro, até porque se utilizados de forma competente são altamente complementares. Claro que em certos casos a psicoterapia como método de abordagem exclusivo é mais adequada que a terapêutica farmaco- -medicamentosa em seu complemento, o problema é que os casos em que se pode dizer o contrário são muito específicos.
Dizer o contrário é dizer que em certos casos a terapêutica farmaco- -medicamentosa é melhor sozinha. Ora, isso só faz sentido num número de casos muito restrito, e mesmo nesses casos de patologia grave e crónica a psicoterapia pode ter uma palavra a dizer no benefício dos pacientes, quer em relação à patologia em si e no que respeita às generalidades circundantes da mesma e tudo o que ela pode envolver, quer para a melhoria da qualidade de vida do próprio e dos que lhe são próximos.
Mas, dirigir a discussão temática nesse sentido nem é produtivo, nem é funcional para qualquer uma das entidades profissionais. O ideal seria procurar funcionar em complementaridade assertiva à revelia de discussões eternas baseadas em argumentos de qualidade no mínimo muito duvidosa.
Para isso, basta perceber que em muitos casos o paciente (alvo de todo o interesse dos técnicos) necessita de ambos profissionais para que possa ter benefícios reais, quer dos medicamentos, quer da psicoterapia. Mais do que isso, nesses casos seria altamente benéfico para o paciente que ambos os profissionais pudessem cruzar dados.
Basicamente, há pacientes cuja estabilidade actual e as condições psíquicas não lhe permitem o usufruto da psicoterapia, e nessa medida necessitam de ser medicados para que dela possam vir a usufruir assim que tenham as condições psíquicas necessárias à sua prática. Há também pacientes que têm todas as condições para a psicoterapia se iniciar sem qualquer medicação, que por qualquer razão vão primeiro ao Psiquiatra, e são muitas vezes medicados sem uma necessidade puramente real (também à Psicólogos que não enviam para a Psiquiatria pacientes que necessitam dela). Há ainda outros que vão à Psiquiatria na procura do comprimido mágico, que não é mais do que a anulação sintomática e não a resolução problemática da patologia em si. Estas pessoas querem tomar comprimidos a vida toda?
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 31/10/2005

“Nem 8 nem 80...”

Este título pode sugerir que uma postura assertiva se refere a componentes de equilíbrio em detrimento de posicionamentos extremos, e/ou mesmo que as posições de extremidade não se enquadram em parâmetros que possam ser passíveis de ser nomeadas como equilibradas. Ou ainda, que as posturas extremas não são de todo adequadas, isto é, não são assertivas.
Contudo, nem sempre é assim. Basta avivar a memória para determinados dados que nos indicam que, por exemplo, é em momentos de grande desequilíbrio que a criatividade mais se activa. Outra questão é a forma como é direccionada essa criatividade, se numa vertente funcional, construtiva e produtiva, ou se pelo contrário, numa perspectiva de disfuncionalidade, destrutividade e de inactividade. Então, trata-se não de classificar numa dicotomia dualista e reducionista do género equilíbrio vs. desequilíbrio, mas sim de perceber e adequar as formas de lidar (coping) com esses posicionamentos centrais ou extremistas (ou qualquer outro grau ou dimensão posicional).
É necessário realçar que o que aqui se dá pelo nome de posicionamento, refere- -se, ao estado mental, e que, se pretende alertar para que estar mentalmente desequilibrado não significa necessariamente estar-se doente ou ter-se uma patologia mental. Significa também que, um estado mental extremo ou desequilibrado pode, quando direccionado assertivamente, ser algo muito produtivo e funcional. Pode e deve mesmo dizer-se que todos nós temos pelo menos traços do que poderia ser identificado como características de psicopatologia, mas que quando correctamente utilizados nos permitem viver, por exemplo, longe do perigo.
Um exemplo típico disso, são as características ansiosas que nos permitem não sermos atropelados quando pretendemos atravessar uma rua. Antes de o fazermos, as nossas características ansiosas permitem-nos ter consciência do possível perigo eminente e de não atravessarmos sem olhar para os dois lados, tal como alguém já antes nos havia ensinado como meio de prevenção do tal hipotético perigo eminente. São traços de ansiedade utilizados de forma adequada e necessária para evitar o perigo. Se pelo contrário ao atravessarmos a rua ficamos a meio do caminho estagnados pela ansiedade do perigo, corremos o risco de ser atropelados devido a uma utilização incorrecta dos tais supostos traços ansiosos.
Melhor dizendo de forma simplista e metafórica, a utilização de traços ansiogénicos de forma assertiva implica comportamentos de fuga ou de luta e não de inactividade. É claro que lutar ou fugir pode ser ou não assertivo, mas isso depende da multiplicidade de factores específicos de cada situação e indivíduo. Ou seja, se no meu percurso encontro um cão raivoso preparado para atacar, ou fico para o enfrentar ou activo um método de fuga ao perigo. Se numa situação dessas ficar estagnado e sem reacção, quando o cão me atacar não vou ter activadas as minhas defesas perante tal perigo, e posso dar-me mal com isso.
De toda a forma, as características ansiosas são apenas um exemplo entre tantos outros, tais como as características depressivas, psicóticas, obsessivas (etc.) que podem ser bastante úteis para a nossa vida diária e sobrevivência básica.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 11/10/2005