Bem vindo(a) ao PsicologiAveiro, o blog do ITAPA.
Artigos principalmente sobre Psicologia Clínica de Orientação Analítica e Psicanálise.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Boas Festas


Desejo a todos um FELIZ NATAL e um BOM ANO NOVO!

Tudo de bom,
João Castanheira.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

“Ainda não...”


…(mais) um pequeno relato arredondado à confidencialidade assertiva…



“Ainda não foi desta que tudo se tornou mais claro e límpido na minha cabeça, por muito que tivesse anteriormente tentado fazer com que a minha vida não dependesse desse passado que me atormenta, parece-me cada vez mais obscura essa perseguição de mim para mim…”

“Cada vez mais acredito que não é o melhor caminho aquele em que dou passos de esquecimento infrutífero, e o pior é que na outra estrada, aquela que me dita uma realidade integrada, uma realidade que continuo a desejar não ter existido, aquela que é a que se parece cada vez mais verdadeira, é também a que me impede de prosseguir para uma outra que embora seja a mesma que a primeira, não me parece de todo poder ser compatível na minha atormentada cabeça…”

“Ainda me custa muito sequer poder pensar em aceitar, e dizê-lo em voz alta, o que me aconteceu… tenho medo do que possa acontecer, do que possa vir a voltar a fazer se o admitir…”

“Se ao menos fosse possível esquecer e pronto…”

“Acha que é possível que tenha andado todos estes anos a omitir de mim o que aconteceu?”

“Eu até a mim minto…”

“Quanto mais me sinto perto de conseguir me encontrar, mais me dói por todos os lados, menos me dá vontade de me mexer… continuo a achar que mesmo que grite como gritei ninguém me vai ouvir, ninguém me vai salvar… naquele dia… como foi possível deixarem que aquilo me acontecesse?... e pior, como foi possível deixarem que acontecesse mais que uma vez?...”

“Ainda não consigo confiar nas pessoas… e ainda não sei se algum dia vou sequer perceber o que isso pode vir a significar…”

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 04/12/2007

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

“Preguiçoso ou Depressivo?”


Há muitas pessoas que costumam ser classificadas como preguiçosas ou mandrionas, e que para entrarem para essa classificação (entendida na maior parte das vezes como perjurativa) basta que por exemplo sejam pouco dadas ao labor ou gostem de dormir um bom bocado.
Ao contrário de certas dimensões e conceitos, parece-me notório que as diferenças entre as características da patologia depressiva que se assemelham às características do rotulado “preguiçoso” são suficientemente divergentes para se entender de forma pouco ambivalente o que é que é o quê. Isso de facto não impede, nem tem impedido, de tantas vezes serem (con)fundidas uma com a outra, ou seja, na maior parte das vezes categorizam-se as pessoas como preguiçosas (quer hajam indicadores de uma ou outra situação) e só depois numa análise mais aprofundada se remete essa preguiça para o sintoma depressivo, se for esse o caso.
(É claro que quando especificado a grupos etários a confusão pode e é normalmente maior nas crianças, até porque é também nessas idades mais difícil e confuso o próprio diagnóstico depressivo, ou pelo menos é um diagnóstico que se rege, não só mas também, por sintomatologia bem diferente da mesma patologia em adultos.)
Ora, um bom exemplo das diferenças significativas que entre os dois conceitos existem reside no apetite pela realização de tarefas. “Não me apetece fazer nada” é exactamente o mesmo que dizer anedonia (sintoma depressivo?) sendo radicalmente diferente de dizer apenas “não me apetece nada ir trabalhar”. Isto é, neste campo, as diferenças demonstram ser claras, na depressão as pessoas por norma perdem o interesse pela grande maioria das suas actividades mesmo aquelas que são (ou eram) prazerosas, enquanto que no dito preguiçoso não há uma verdadeira perda de interesse, a pessoa simplesmente não lhe apetece fazer alguma coisa que por exemplo tem em expectativa ser muito custosa, não deixando de ter vontade de fazer outras coisas como são por exemplo as suas actividades predilectas e/ ou prazerosas.
Isso também não quer dizer que uma vez ou outra toda a gente tenha vontade de preguiçar, mas o que aqui se está a falar inclui uma componente de permanência temporal, ou seja, quer o depressivo, quer o preguiçoso, para o serem têm que permanecer no tempo. Ninguém deve ou pode ser considerado depressivo ou preguiçoso com base num único dia de vida.
Ao contrário do que o título poderia querer sugerir, não é minha pretensão concluir e citar todos os ditames que unem e separam estes conceitos, afim de querer responder a tal questão na sua plenitude. Antes disso, quero apenas alertar para a quantidade de vezes que todos nós fazemos uma coisa muito simples: diagnosticamos causalidades uma vez (normalmente a primeira) e regulamo-nos por essas conclusões que julgamos verdadeiras e devidamente fundamentadas, até que dificilmente algo e/ ou alguém nos convença que afinal não é bem assim. Isso tudo para pelo menos nos libertarmos da ansiedade provocada pelo desconhecimento: mais vale atribuir àquilo uma causa estúpida do que não atribuir causa nenhuma.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 20/11/2007

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

“Projecção (d)e Carências Afectivas – Alimentação Simbólica – II” (continuação)

Na última crónica ficou no ar a questão: “Será mais fácil comer o que não queremos (só para não percebermos que não temos o que queríamos comer?) do que sofrer com a ausência dessa comida desejada?”.

De facto, num momento inicial e imediatista parece natural que mais vale comer do que ter fome, mas e se a questão não tiver relacionamento com a fome, mas sim com o desejo por certa comida específica? Ou pior, se o que comemos não mata essa fome e ao invés ainda a salienta mais? Ou seja, pode até existir fome numa determinada pessoa, mas isso não significa que essa pessoa não tenha acesso a comida em quantidade suficiente que lhe permita saciá-la, e não significa também que a principal problemática esteja relacionada com a fome que essa pessoa sente, mas sim com a incapacidade, de origem diversa, em fazer com que essa fome seja satisfeita: a fome por comida específica.
Poderiam então vocês dizer que isso não é fome! E num contexto não metafórico até teria razão de ser essa pertinente refutação… Mas, afinal, o que é esta fome metafórica (?), senão uma forma explícita (ou implícita?) de carência (ou falta de…) daquilo que sentimos ser necessário para nós (mesmo que não nos apercebamos do que é que temos fome). Não é aquilo que queremos, nem o que gostaríamos de obter, mas sim aquilo que sentimos querer, o que sentimos desejar, o que sentimos que sem isso algo não vai bem dentro de nós e não vai ficar bem enquanto não o conseguirmos alcançar.
E, se não conseguimos alcançar aquilo que realmente sentimos ser do nosso desejo, muitas vezes tentamos satisfazer por proximidade, isto é, algo que nos traga satisfação parecida ou semelhante à satisfação que expectamos obter quando alcançássemos aquilo que sentimos desejar num primeiro plano.
Este tipo de transferência ou (re)direccionamento alimentar (afectivo), pode trazer diversos tipos de consequências que não têm que ter um carácter necessariamente negativo ou positivo, mas objectivamente não revela os mesmos tipos de resultados ao nível da satisfação das reais necessidades que estão por trás do próprio desejo (primário). Ou seja, a substituição do alvo afectivo por transferência de conveniência, pode traduzir-se pela incapacidade do sujeito, perante ele próprio e o seu meio, em alcançar o alimento que seria apropriado ao seu desejo alimentar. Se se substituir sempre, a capacidade de suportar a frustração pode estar contaminada, se nunca se substituir pode a capacidade de adaptação estar comprometida… Tal como as motivações que levam à substituição, poderão ser bons preditores do bom ou mau funcionamento alimentar (afectivo) do sujeito.

A metáfora da alimentação (alimentação simbólica) tem capacidade e competências atributivas a problemáticas tão diversas como por exemplo desde as adições patológicas, aos distúrbios do comportamento alimentar enquanto sintomatologia patológica secundária, às próprias patologias primárias. Basta substituir os termos metafóricos por termos apropriados aos phatos de etiologia predominantemente afectiva.

Onde está afinal a origem da fome?
Na falta da comida?
Na falta do auto e/ou hetero esclarecimento sobre qual a comida apropriada para a sua satisfação?
Na incapacidade em procurar a comida apropriada?
Na incapacidade em obter os recursos necessários para a obter?
Na incapacidade de resposta dos recursos disponíveis no meio?
Na incapacidade em perceber que se tem fome?
Na incapacidade em se reconhecer e se aceitar que se a tem?
Na incapacidade de comer?

As questões assertivas sobre a etiologia da fome serão sempre mais do que estas, que à fome de cada um se façam as perguntas apropriadas…

E você? Tem fome?


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 07/11/2007

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

“Projecção (d)e Carências Afectivas – Alimentação Simbólica”


Redireccionamento do alvo afectivo (?), do objecto primário do nosso desejo para o objecto secundário do que está ao nosso alcance…

Ter fome e fartura… (Tentativa) de saciação da necessidade primária (fome) através da hiper-ingestão desmedida, desproporcionada e (des)direccionada (fartura) que não tem a capacidade nem a competência para a saciar…
Se o que faz falta naquela mesa é o pão, não será então a carne que o poderá substituir, mas poderá ser ela a quem será (re)dirigido o desejo primário de comer pão. Esse desejo de comer pão não será satisfeito verdadeiramente, mas será pseudo- substituído por um outro desejo que não existia à partida, e que poderia não vir a existir se esse desejo primário tivesse sido satisfeito de verdade, ou mesmo se esse desejo tivesse tido a oportunidade de ter sido frustrado…

Será mais fácil comer o que não queremos (só para não percebermos que não temos o que queríamos comer?) do que sofrer com a ausência dessa comida desejada?

(continua…)


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 23/10/2007

domingo, 14 de outubro de 2007

“Fugas por portas abertas.”


Quantas vezes deixamos passar ao lado, ou mesmo ao longe, um sorriso que poderia ter estado tão perto e não esteve sequer ao nosso alcance devido à nossa indisponibilidade para naquele momento sorrir? Se o nosso desejo era ter sorrido então o que nos impediu de o fazer?
Se a dado momento ou contínuo da nossa vida (por exemplo infância) não nos foi satisfeita a nossa necessidade afectiva ou nos foi continuamente frustrada, ou ainda, nos foi retirada a possibilidade de responder de forma natural e adequada àquilo que seria esperado que respondêssemos (exemplo: estar a chorar por motivos “válidos” e ser-nos pedido para parar de forma agressiva e injustificada sempre que isso acontece, ou vice-versa), então poderiam estar criadas as condições para o desenvolvimento de carências afectivas imbuídas numa possível criação de comportamento padronizado que tende a prolongar essa própria carência e a projectá-la no futuro.
Se a necessidade de satisfação afectiva não é concretizada de forma contínua o mais natural é que esse buraco colossal (vazio) tenha tendência a ser preenchido de alguma forma, de qualquer forma, e muitas vezes a qualquer custo. Um exemplo disso é o que acontece quando pessoas canalizam a sua necessidade de satisfação afectiva (sorriso) para a aquisição de bens materiais, de forma a compensar esse vazio. Numa tentativa de preenchê-lo de qualquer forma chegam mesmo a comprar de forma desmedida e a endividarem-se, não porque precisam, não porque a sociedade e o capitalismo pressiona, mas sim porque necessitam de afecto, necessitam de sorrir…

Quando o vazio se torna insuportável, ou se acaba com o vazio vivendo, ou se acaba com o vazio e com tudo o resto.

Parece-me claro a mim próprio que estas minhas palavras tão direccionadas são altamente redutoras de uma realidade que conta com muito mais do que isto, e cuja etiologia multi-factorial não está sequer aqui contemplada, mas parece-me ainda mais límpido que quem sente esse dito vazio de sorrir não tem sequer (por norma) o discernimento perceptivo para que se possa auto-conduzir ao caminho do preenchimento adequado, isto porque muitas das vezes esse preenchimento é feito ou no sentido inverso (morte) ou de forma descontrolada.
Essa descontrolada é referente às conhecidas crises psicóticas (como se podem considerar por exemplo os episódios maníacos), nas quais o indivíduo se rege por linguagem própria do inconsciente: os símbolos… Se comprar é igual a sorrir, então vou comprar custe o que custar… É quase como se obedecesse a si próprio (às pulsões) sem a capacidade de perceber que o que está a fazer terá consequências para além da satisfação imediata das suas necessidades afectivas… e, essas consequências são na maior parte das vezes graves, ou muito graves (e de forma nenhuma só ao nível financeiro).
Para que se entenda, andar (des)controlado por alguns ditames do inconsciente (fugas por portas abertas) sem que eles sejam regulados pelo valor e moral do subconsciente (imprimido) pode ser o mesmo que perder parte da dita consciência em prol do crescimento prático e final do determinismo real proveniente das pulsões primárias… Isto permite que alguém que teve por exemplo um episódio maníaco possa dizer: “Não era eu, eu não percebia o que estava a fazer! Fazia e pronto! Não me interessava quanto é que custava, eu queria e comprava… se fosse hoje nunca o teria feito, agora tenho vergonha do que fiz…”. A vergonha referida é em grande medida a parte da dita consciência que foi regulada pelos valores prévios (subconsciente) e que permitem ter ou não ter aquele comportamento, ou seja, a pulsão para a satisfação das necessidades afectivas canalizadas para por exemplo comprar bens materiais, quando regulada pela entidade intrapsíquica intermediária faz com que aquele comportamento não se materialize (naquela pessoa, e com aquele tipo de valores).

Será caso para dizer (?): “O sorriso do meu desejo… se o que eu desejo é sorrir.”


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 09/10/2007

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

“Raios...”


Trovões de influência mediática incutida e recepcionada como entretenimento, sem sentido de que direcção se faz guiar e não se guia, factores de impotência imponderada e ofensiva, de desintegração pela totalidade perdida por vias em que a oportunidade se lhes fez chegar, o que ela nos faz à nossa capacidade de a integrar, de ver sem a olhar, de ouvir sem cheirar, de sentir sem materializar, virtualidades imundas de ditos dignos prazeres em escalas de moral apegadas ao ascendente padrão global, essa, e também a outra, aquela que nos faz fundamentar elaboradas teorias sobre uma realidade que no fundo e no topo não passa de uma desconhecida…
A probabilidade de um raio atingir um animal qualquer, é baixa, muito baixa, mas ninguém sabe bem quanto ao certo, mais certo é saber-se que já algum raio algum animal atingiu (?).
O mais e melhor, é (isso) ser normal, isto é, o mais frequente pela curva de Gauss… O que significa pelo menos exactamente isso, que o mais normal pode significar também o mais aberrante se dessa perspectiva se puder e quiser olhar (!).
Digo, apologismos contrários à possibilidade mais adequada à nossa pequena realidade humana, ou seja, apregoo a hipótese de trabalharmos no sentido de aumentarmos a nossa capacidade de (re)conhecimento consciente face ao desconhecimento natural de nós e do mundo externo… Não! Digo isso nesse sentido, mas num contexto que não engloba essa natural (in)capacidade! Basicamente, obscuridade sempre que não há um raio de luz que nos permita um visualização metafórica das cores que a realidade externa nos apresenta…
Essa que vem de fora, que não deixa (depois) de fazer parte da nossa interna…
Raisparta… novesforanada… É (ou em principio poderá ser?) bem mais fácil aceitar e lidar com uma informação errada do que viver a permanente incerteza de não saber, e tudo o que isso implica…
As implicações ao nível das consequências dessa aceitação inconsciente não são nem têm que ser ou ter um carácter necessariamente perjurativo, desde que isso ao invés de prejudicar beneficie as pessoas que disso usufruem. Não se deve (pode?) é querer que hajam conceitos na sua plenitude, ou que na sua totalidade interpretativa não se verifiquem infinitas hipóteses alternativas de resposta.
Um raio poderá beneficiar nalguns campos em prejuízo de tantos outros e vice-versa, mas o real benefício será em função dos objectivos (?) do beneficiado, mesmo que disso ele não se aperceba ou que disso pense estar consciente.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 25/09/2007

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

“Aleatoriamente?”


“Não objectivo que entendam (se sentirem já é muito bom) quão pretensioso és quando te auto-iluminas em sentidos que não almejas que os outros possam alcançar, e te fechas nesse teu mundo tão só, só teu…”
“Aleatoriamente há histórias que não chegam ao fim, onde nem de sono me desperto, onde nem de som me alerto, essas palavras que não distingo ouvir…”
“Não me reconheço nesse passado em que dizem ter visto essa pessoa que com o meu corpo fez isso ao meu e aos vossos corpos… Não é possível que EU tenha feito isso… e não, não estou a negar por causa das culpas e das consequências que isso me pode trazer, EU, não me lembro, eu não vivi isso que vocês dizem que vivi.”

Materialização da transformação do fantasmático em realidade congruente com o ficcionado psicótico (?).

Aleatoriamente nada é casual, é (pode ser?) causal determinante. Absolutismo tremendo, reduccionismo excessivo.

Não se trata de borderline (estado limite ou limítrofe), nem tão pouco pré-psicose, se o resultado é a integração de uma nova consciência de si perante o mundo e de si perante si próprio, após um surto de domínio inconsciente do comportamento final, um estado dissociativo da realidade externa (de alguma?), onde a que prevalece, a única que vislumbra é aquela em que nem ele próprio consegue discernir, pois a aniquilação da consciência de si não lhe permite ter acesso a essa parte do seu EU, aquela que nos permite (auto) situarmo-nos em nós e no mundo.

Pós-psicose?

Psicose próxima da realidade (…) de um EU cuja integração se sustenta nos padrões de moral e valor que alguém um dia desejou (e conseguiu) imprimir nesse subconsciente, para que ele fosse suficientemente forte ao ponto desse EU se regular por esses ditames. Depois de isso não ter acontecido dessa forma, integrada, o mais certo e mais viável para a homeostase intrapsíquica é que esse EU se dissocie desse desvio enorme ao padrão que o regula de forma automática, automatizada e ainda tão mais inconsciente que discernível.

“Eu não sou assim, não fui EU que fiz isso!”

O mesmo que referir que a auto-imagem da identidade do seu EU é incompatível com o acto consumado ao qual esse EU não se auto-identifica, o que permite bloquear esse acontecimento como pertencente à sua auto-realidade, fazendo com que o EU se dissocie e desintegre (“esqueça” ou não se permita “lembrar”) que isso de facto aconteceu.

Poderia ser, e bem, questionada a possibilidade factícia ao invés da psicótico-dissociativa, mas o historial clínico (obviamente omitido) é demasiado vasto e extenso no tempo para que alguém actuasse durante toda uma vida sem que essa própria actuação não fosse a sua própria verdade.

Mesmo que a intenção fosse claramente enganar tudo e todos (simulação) acerca da sua condição mental de inimputável versus imputável legal, o conjunto de predisposições psicóticas (materializadas) invalida em certa parte, melhor, inviabiliza em certa medida a possibilidade desse EU querer enganar deliberadamente os outros com a intenção clara de se fazer passar por doente mental, ou alegar loucura momentânea, para desculpabilizar as responsabilidades legais, até porque esta pessoa não chegou até aqui do nada…
Para ser simulação os seus padrões de valor e moral não poderiam necessariamente ser esses, teriam que ser uns que fossem compatíveis com isso, para que pudesse ter tido sempre uma realidade integrada e congruente com a harmonia (mesmo que conflituosa) das instâncias do seu EU.

Só conhecendo a realidade (essa realidade) em “permanência temporal e de forma completa” é que seria possível querer enganar alguém acerca dessa realidade (?). Se assim não for, o EU engana-se a si próprio nessa parte em que não atinge níveis de capacidade de reconhecer que esse processo existe em si, e que esse facto (isso) é parte integrante das suas vivências.

Não há uma simples negação, embora haja uma negação em si, a negação que aqui (co)existe é de características de dissociação, isto é, de forma involuntária e automática (inconsciente) o indivíduo aniquila isso da sua realidade que tem acesso à consciência (dissociação). Esse acontecimento aniquilatório deve-se (numa forma simplória de análise) à actividade conflituosa das instâncias psíquicas derivada de um acontecimento externo (isso – comportamento final) que o indivíduo compreende como mal. Sendo que mal tem um significado específico mediante os padrões de moral e valor de um EU idiossincrático.

Há coisas que nos custa a acreditar que os outros possam fazer, mas há coisas como isso que ainda custam mais a crer que tenhamos sido nós próprios a produzir.


Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 11/09/2007

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

“O que mexe cá dentro…”


Demasiado ruído interposto pela situação específica que despertou e desencadeia esse processo de continuidade e generalização dessa dita negatividade alheia ao próprio interno, forçada pela interpretação comum (e até mais natural) de tal acontecimento do mundo pseudo extrapsíquico.

Acontecimento cujo poder de influência pouco se esbate, e que até se expande no dia-a-dia, funcionando como exemplo para tudo e para todos, tomando conta, sendo premissa para todas as possíveis conclusões interpretativas e inacções vividas.

Essa crença fundamentada em padrões de premissas que se iniciam nessa outra, cuja rigidez interpretativa não permite quebrar essa fortaleza que disponibiliza muralhas cada vez mais altas e mais fortes, podem provocar e normalmente provocam uma indisponibilidade irracional e pouco realista perante essa outra realidade do mundo externo.

Basicamente a predisposição para a acção encontra-se comprometida derivado a esse forte em pleno crescendo, embutido cada vez mais em torno de si mesmo, em detrimento e em defesa do mal que possa advir de tudo o que lhe é exterior, que é muito claramente toda a restante realidade à própria realidade interna ou intrapsíquica.

Essa predisposição se controlada pela ausência do controle consciente e pelo distanciamento da percepção da sua existência, torna a sua dinâmica ainda mais determinante no comportamento final, aquele que se diz observável. A pessoa deixa de estar realmente predisposta ou mesmo disposta a passar pelo mesmo, pois passar pelo mesmo significa usufruir de níveis elevados de sofrimento considerado inútil e altamente descompensador: “dali a única coisa que espero é sofrer”.

Mas, o mesmo não tem que ser necessariamente igual, nem será igual de certeza (!?), frase que não caberá junto de alguém cujas premissas não dispõem de diversidade e abertura necessárias para não reduzir a realidade presente e futura a um exemplo do passado cuja interpretação foi, e é demasiado negra para ser vista.

Não querer sofrer outra vez, ainda por cima de forma inútil e desnecessária é compreensível, mas é fundamental ter em conta que em todas as relações humanas cujas características não passam pela superficialidade, mas sim pela genuinidade, envolvem também necessariamente sofrimento. Isso não quer dizer que por envolverem sofrimento não envolvam também felicidade, ou mesmo que para se sentir feliz uma pessoa não tenha que sofrer. Pior é quando se desacredita totalmente e de forma absolutista na vida ao ponto de através de uma experiência passada só se conseguir ver um dos lados, de tantos lados que existem.

Estar disponível para viver é fundamental para que se possa viver novas experiências cujo nível de descomprometimento com o passado seja minimamente adequado à actualidade presente e expectativas de futuro. Estar em conflito, isto é, querer no fundo viver algo que de facto desejamos por um lado, e que por outro impedimos previamente que aconteça com receio de nos magoarmos outra vez, pode ser, e muitas vezes é, um impedimento suficientemente grande para que nos encontremos num impasse inactivo.

Esse impasse inactivo, se acontecer, faz com que esse conflito aumente, pois na verdade o que realmente desejamos alcançar torna-se ainda mais distante, sendo que se fortifica o lado da batalha que menos interesse tem para nós, “apenas” para nos defendermos dum futuro que ainda não vivemos.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 22/08/2007

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

“(Re)Viver.”


Não há forma (que se “conheça”) de alterar o passado, mas há maneira de mudar no presente a forma como ele é visto. Essa mudança, (re)interpretação, é tantas vezes suficiente para que esse passado pareça também ele próprio ter sido alterado.

Quando se fala em catarse, em nome do reviver intenso de experiências passadas para que se possa “ultrapassar” essas situações que ainda nos dias de hoje são, por exemplo, elementos perturbadores e perturbantes da vida quotidiana do estado mental, isso deve querer significar pelo menos (e entre tantas outras coisas) que a re-experiência “imagética” proporcionou uma re-interpretação da experiência primária/ “real”.
Reviver para redescobrir novas formas de olhar, e não simplesmente “curar” através da re-existência mental de acontecimentos passados. Voltar a vivênciar o passado para permitir viver (n)o presente, especialmente quando esse passado, funciona como elemento de bloqueio da actualidade.

Há alguém que não quisesse (realmente) mudar alguma coisa do seu passado se isso fosse possível?
Basta, por exemplo, aceitar hoje que esse passado é imutável para que ele próprio mude de imediato nas nossas mentes!? E, ele mudar nas nossas mentes funciona como uma alteração dessa própria realidade vivida, pois a percepção que temos dela é também ela alterada… E a realidade não é mais (ou muito mais para nós próprios) do que a forma como a vemos! Embora seja possível olharmos para um mesmo objecto do mundo externo, a possibilidade de o vermos da mesma forma é algo que ainda não é possível determinar com clareza devidamente fundamentada.
Verifiquemos o exemplo de um livro ou de um filme… A realidade “objectiva” é “esse objecto visível”, o livro ou o filme, mas a realidade de facto não é o livro nem o filme, é sim a forma como interpretamos o livro ou o filme. Duas realidades distintas sobre o mesmo estímulo do mundo externo…
Mais evidente ainda (ou para alguns menos óbvio) será o objecto do mundo externo “pedra”! A existência da “pedra” é um facto cuja questionabilidade não é relativa (ou só o é pela questionabilidade da sua própria existência). Já a interpretação da existência da realidade “pedra” torna-se difusa de difícil consenso, pois a (in)visibilidade da mesma está altamente condicionada pelo todo que constitui cada elemento “perceptor”: o ponto de vista do elemento que percebe!

O principal objectivo que se alia a esta visão, que é também ela um construção da realidade, é a transmissão da ideia de que é possível alterar a (“nossa”) realidade independentemente do momento temporal a que ela se refere, desde que a estratégia de mudança passe primeiro por nós próprios e só depois pelo mundo externo: se nós mudarmos, mudamos a forma como vemos o mundo, pois a construção da (“nossa”) realidade parte sempre de nós.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 31/07/2007

quinta-feira, 19 de julho de 2007

“A Coisa.”

Não são certamente a quantidade de palavras que fundamentam a qualidade de um texto ou de um discurso, tal como não é a quantidade de tempo que determina a sua realidade.
Esta questão do factor “quanto”, funde-se muitas vezes em discursos de fundamentação e/ou desculpabilização da falta de tempo, ou seja, não se faz qualquer “coisa” ou porque o tempo não dá para tudo, ou porque não há sequer tempo.

O tempo real não é igual para todos?
O tempo mental não é o que do tempo real se faz nas nossas cabeças?
Se respondeu sim, então é porque no fundo o tempo é igual para todos… Pelo menos em quantidade é, e em qualidade será o que dele fizer (e o que o mundo permitir)…

Não digo que não há factores externos às pessoas que não contribuem de forma evidente e indissociável para a dimensão temporal de forma invasiva e muitas vezes até obstrutiva e dependente (ex.: guerra), isto é, o nosso tempo depende também de factores que não estão disponíveis ao nosso controle (ou percepção de controlo), mas isso, apesar de tantas vezes preponderante, não pode ser outras tantas vezes factor único de sustentabilidade.

O que de facto acontece é tão simplesmente uma questão de se utilizar esse tempo para outra coisa qualquer, que não essa “coisa” para a qual o tempo parece definitivamente não abundar ou mesmo não chegar.
O interessante no meio disto tudo, centra-se exactamente no conteúdo e significado dessa “coisa” para a qual o tempo não premeia atenção.

Não temos tempo para a “coisa” ou não damos do nosso tempo a “ela”?

Está também indubitavelmente associado a esta ideia, o facto da hierarquia de prioridades, isto é, as outras coisas às quais o tempo foi concedido eram mais importantes do que essa “coisa” para a qual o tempo não foi sequer tempo, seja nesse tempo que se considera o imediato ou naquele outro que perspectiva tempos futuros ou vindouros. Do género de dar primazia ao trabalho para que se possa proporcionar uma vida melhor a nós próprios e àqueles de quem gostamos, agora e no futuro. Mas… e o que é isso de dar uma vida melhor (?), senão apenas uma conceptualização própria disso mesmo! Isso definitivamente não quer dizer que para esses de quem tanto gostamos seja o melhor, ou mesmo seja o mais adequado isso que nós consideramos ser proporcionar uma vida melhor. Mais isso tudo é possível em conjunto, ao mesmo tempo, no mesmo aqui e agora, e na mesma projecção de expectativas de futuro.

O pior é que tantas vezes nem reparamos que de facto tínhamos tempo para a “coisa”, e que nem era preciso muito tempo, para que esse tempo fosse de qualidade. Mais, dar muito tempo pode mesmo significar que se deu menos tempo do que se se tivesse apenas dado, um ou dois minutos de real tempo e atenção concedida…

Dar dois minutos de tempo sem pressa, estar realmente com a “coisa”, olhar realmente para a “coisa”, dar atenção real à “coisa”, para a “coisa” poderá ser suficiente, poderá ser bom, até mesmo ser óptimo, e será sempre mais que tempo nenhum, ou demasiado tempo de nada, ou de muito pouco…

Essa tendência de olhar o futuro e negligenciar o presente acaba tantas vezes por ridicularizar essas teorias de fornecimento de sustentabilidade para um futuro melhor… Ter proporcionado uma vida farta de materialismos e ter negligenciado componentes básicas relacionais, vai em princípio apenas demonstrar mais uma vez que embora ajude, o dinheiro por si só não basta para que se viva bem consigo próprio… É a velha história de ter muito ou apenas algum em bens materiais… do ter e não ser… de que serve (?) se isso não serve para que se possa ter relacionamentos verdadeiros e minimamente adequados àquilo que muitos descrevem como o contínuo de felicidade… Se houve deficiências e distorções relacionais afectivas no passado que nos serviram de vínculo de aprendizagem ou de exemplo da forma como nos devemos relacionar uns com os outros, então é quase certo que nós próprios tenhamos no futuro essas mesmas dificuldades relacionais, e humano com dificuldades relacionais é tantas vezes humano perdido… na solidão de si mesmo…

E são tantas as vezes que damos atenção à “coisa” só nas nossas cabeças…
Uma atenção indirecta e ineficaz para a própria “coisa”…
Se a “coisa” não sai da nossa cabeça, porque não concretizar a “coisa” para que a “coisa” perceba, para que “a coisa sinta”, que o nosso tempo é também do tempo da “coisa”…

Essa “coisa” são muitas vezes pessoas, e tantas vezes “nossos” filhos…

“Não deixe a coisa por fazer…”
(não vá a coisa “desaparecer”)

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 17/07/2007

quinta-feira, 28 de junho de 2007

“Sete Pedras de Projecção.”

Quando a defesa é o melhor ataque (?) … – extractos eticamente alterados (ficcionados) de “um relato na primeira pessoa de um processo contínuo (e inacabado) de auto-conhecimento.”
Com sete pedras na mão sempre prontas a atirar em jeito de defesa preventiva, objectivando aniquilar qualquer tipo de ataque antes mesmo que ele ocorra, antes mesmo que ele exista ou possa ter hipóteses de vir a existir.

“Uma só pedra não basta, não vá ela não chegar, não me vão eles atacar, e eu, não ter nada com que me defender…”

Defesa permanente, já independente da “estimulação externa” que desencadeia processos “normais” de auto-defesa, tanto atacaram, tanto “disseram” ser esse o padrão normal de funcionamento geral das pessoas, que agora isso tornou-se verdade, “a minha verdade…”
A realidade (in)compatível ajusta-se ao próprio desfasamento criado, imprimido, tornando distante a essência da pessoa para os outros, os outros que teima em não deixar aproximarem-se, não vão eles mais facilmente atacar por melhor a conhecerem…
Assim, mais vale projectar nos outros “a minha própria realidade”, ou seja, “eu ataco-os porque eles me atacam”, mesmo que essa “realidade seja só minha”, pois “como pode ser a dos outros se eu os ataco em defesa (?)”, ou seja, “mesmo antes de eles me atacarem (?) … ou mesmo que não tenham intenções de o fazer, não quer dizer que não o façam…”

“Porque tenho então que me defender se ninguém me ataca?”
“Estarei ainda a defender-me dos ataques que sofri anteriormente, fazendo com que este seja um comportamento desadequado nos dias de hoje?”
“Mesmo que ache que não estou a ser alvo de ataques é o que eu sinto e é essa a verdade que eu vivo” (…) e, “não posso deixar que eles me firam, porque não quero sofrer mais por causa disso…”
“Mais vale ferir os outros que eles me magoarem a mim!”
“É aos mais próximos de mim que mais firo pois são os que melhor me conhecem que mais me magoaram no passado, e são esses os quais me metem mais medo por isso…”, talvez por isso também, “não me dê a conhecer à maioria das pessoas, e aquelas que o conseguem acabam por sofrer as consequências disso, pois são aquelas que têm maior capacidade de me magoar…”
“Mesmo que me consiga certificar que o perigo é de facto irreal, é normalmente incontrolável o acto impulsivo de apedrejar para não ser apedrejado, mesmo que só eu tenha pedras na mão!”
“Quando me apercebo que me aleijo (mais a mim) ao ferir os outros, principalmente aqueles de quem mais gosto (amo), tudo perde o sentido, embora o sentido seja esse mesmo (ou ainda seja hoje esse mesmo?) … Vejo-me num buraco sem fundo e sem tecto, onde faço o que não quero, porque também não optei que mo fizessem a mim.”
“Se me sinto perseguido (ou atacado?) é talvez por não conseguir fugir de mim próprio e de um passado que ainda vivo como se fosse o dia de hoje…”, e, “ se me sinto culpado por magoar os outros, e ando neste ciclo imparável de tristeza angustiante, é porque a responsabilidade dos meus actos é minha e não dos que contribuíram para que eu seja assim, desta forma repugnante… e, independentemente disso sou eu quem sofre as consequências disso… eu e os que mais me são próximos…”.
“Será que no fundo não gosto de mim, porque quem mais deveria ter demonstrado que de mim gostava, não o fez na devida altura? Tenho a sensação que sou uma merda, foi o que sempre me fizeram sentir, como se fosse uma merda!”
“E se eu não gosto de mim, como é que os outros podem gostar? Se calhar é mentira, se calhar dizem que gostam, demonstram que gostam, mas tudo não passa de um desejo meu de que isso seja verdade… no fundo não gostam de mim… até porque isso não só não é possível como não tem lógica nenhuma… como se pode gostar de merda? Eu não gosto!”
“Às vezes tenho dúvidas se vale mesmo a pena continuar junto daquela que é a pessoa que mais amo neste momento… a qualquer momento pode perceber a merda em que me tornei e serei novamente abandonado ao meu próprio amor próprio, que não é nenhum…”
“De facto sinto a necessidade conflituosa de estar e não estar, de me dar e não me dar, de me mostrar e de me esconder, de ir saltando de terra em terra para ver se me lembro de me esquecer… e, o que acontece sempre é que nada resulta benéfico, se quando me escondo é quando mais depressa me tento encontrar… e, quando me encontro, quando me volto a encontrar, é sempre o mesmo dilema de estar e não querer estar, a sofrer, a sofrer as consequências de uma sucessão de actos que não agi, e de uns tantos outros em que me comportei…”
“O que é certo é que eu não me sinto bem comigo próprio… e, tenho a noção que todos ao meu redor pagam (também) a minha factura até que o preço não seja demasiado elevado, depois deixam de pagar e abandonam-me… tenho medo que agora aconteça o mesmo, tenho medo de ficar só, mesmo que só já me sinta…”
“Este forte de solidão que criei (?) não vem de agora, já quando era pequeno dava por mim num canto, repleto de silêncio e brincadeiras imaginárias, estava para ali abandonado, ao deus dará, e deus não deu…”
“Quando alguém tenta entrar no forte, o mais normal é lutar com todas as armas que tenho para me proteger, não vá esse alguém ser apenas mais um cavalo de Tróia, um inimigo disfarçado de amiguinho saudável…”
“Depois, quando finalmente vejo que é amigo verdadeiro, exijo que seja um amigo perfeito, à minha imagem extremamente exigente de perfeição: uma pessoa ou é boa ou é má, não pode nem deve ser um pouco das duas ao memo tempo, ou na mesma pessoa…”
“Ao perceber que isso não existe (pessoas perfeitas), fortifico-me outra vez, pois o perigo que representam essas pessoas que me conhecem, é no sentido de me descobrirem como de facto eu sou: frágil, muito frágil…”
“Podem atacar, podem desmoronar o sentido que tenho de mim mesmo, podem querer ajudar, e isso iria implicar necessariamente uma dor muito mais forte que aquela que eu sinto agora…”
“E eu, não quero mais sofrer…”
“Já não sei se atacar é lutar ou fugir…”
“Já não sei se é estagnar ou fingir…”
“…que passa com o tempo, ou que o tempo não passa…”
“Cheguei a um ponto em que querer ajuda é comprometer o meu bem estar presente, numa alimentação de réstia de esperança num futuro que não me parece hoje possível que um dia se transforme no meu presente…”
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 26/06/2007

quinta-feira, 14 de junho de 2007

“A(l) Re-pudica(o) das Bananas.”


Bravos conceitos de moral e valor, afins de repressão primata ou de sociabilidade aceitável (?), complexos supressores de instâncias indissociáveis, artísticas formas de vulnerabilidade adequada, assertividade (des)regulada, dimensões superiores à própria condição inata, controlo do incontrolável ou sensação de segurança da possibilidade utópica (?), purificação do nojo da percepção agradável, criação sensorial do que os sentidos não falam, codificação, (des)codificação, (re)codificação…
A presunção do auto-conhecimento, enviesada, pelas normativas perceptíveis, aquelas e as outras, as que se objectivam e as que de aparência não se vêem. A mistificação do dado como certo, em absolutismos, reducionismos tremendos da visão perceptiva global do conjunto no seu todo. A necessidade necessária do pleonasmo organizativo, também mas não só, para corroborar com a parcimónia mental e a base primária da sobrevivência.
Quando tudo isto (e tudo mais) é posto em causa, a (des)regulação facilita o aparecimento do que “queremos” acreditar que não temos (vemos?), numa de superioridade intelectiva (que logo se esvai quando aparece aquela ou outra necessidade primária), nos vemos (se ainda houver discernimento para a auto-imagem) envolvidos em actividades comportamentais cujo fundamento não se pode nem deve justificar (ou julgar) por padrões de moral e valores, se nada têm a ver com a fundamentação do seu aparecimento.
Querer compreender algo através de um conjunto de conceitos predeterminados que não só não se adequam como também não fazem parte do mesmo mundo, é um belo exemplo de reducionismo ao mais elevado nível de actividade. É como se de repente quiséssemos perceber uma reacção “química” através (única e exclusivamente) das leis da “física”.
Mas o dito mundo físico, (pseudo)observável e (pseudo)objectivo, tende também ele a ser um “facilitador” da (pseudo)compreensão.
De uma outra forma ou perspectiva perceptiva, continua a ser do domínio do princípio da realidade, num sub-domínio de princípio de sobrevivência. Ora isso implica não anular a perspectiva compreensiva anterior, mas sim complementá-la, tendo em conta que a fonte de análise é assim sendo a mesma que fonte analisada.
Isto é, apesar do domínio da actuação se localizar ao nível da consciência, esta está fortemente contaminada pelos ditames provenientes do inconsciente, já que os obstáculos e barreiras moderadores estão debilitados ou mesmo inactivos, muito devido ao seu nível de importância imediata para a sobrevivência do indivíduo se encontrar altamente comprometida, face à necessidade que é percepcionada.
O título é a “solução” para a terminologia desta crónica no seu sentido, no seu contexto já houvera alguém que muito ênfase dera e contribuíra para esse algo que ainda hoje teimamos em omitir pela sua própria omissão “proprioceptiva”.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 12/06/2007

sexta-feira, 1 de junho de 2007

"Solidão Compreensiva"


Quando todos parecem não notar a existência de alguém, no sentido em que esse alguém encontra a verdadeira solidão compreensiva, a desesperança de soluções para a vida, cada vez que se depara com situações percepcionadas como aversivas, pode tornar-se de sentido único na sua resolução prática: o alivio da dor através do seu fim radical.
A génese multifacetada e plurifactorial da dimensão global que pode originar o termo da vida auto deliberado pode atingir contornos cujo potencial desencadeante se atribui, não propriamente a acontecimentos externos aversivos, mas sim à conjugação da percepção dos ditos acontecimentos como de índole negativa (de forma real ou desfasada) com um conjunto de determinações preexistentes no individuo, que se referem à sua dor psíquica.
Quando os níveis preexistentes de dor psíquica se encontram no limiar do tolerável pelo indivíduo em questão, qualquer fonte de acréscimo de dor é o suficiente para desencadear um processo de sustentação vital, isto é, a pessoa tende a encontrar uma solução para que a dor que sente diminua ou mesmo acabe.
Note-se que a dor física tem um limite, ou seja, quantificando a dor não é possível sentir mais dor que “x”, enquanto que quando se fala de dor psíquica não existe um limite que se possa considerar como tal.
Voltando à ausência da partilha compreensiva, este é um ponto que tal como um infinito de outros, pode ser um “bom” item para despoletar um comportamento adverso à auto sobrevivência. Mas o que interessa realmente não é decifrar o conjunto (de mais a menos infinito) de itens que têm potencial desencadeante mediante as condições “adequadas” para que isso aconteça, interessa sim perceber em cada pessoa no momento “certo” qual deles está a dar um contributo importante.
Repare-se que isto tem uma importância grande quando se trata de remediar de forma urgente, tentando (muitas vezes em vão) impedir que alguém se suicide, mas a um prazo menos imediatista perceber o que pode desencadear não só não basta como pode não chegar realmente.
Será necessário mais do que remediar uma e outra vez, fazer com que isso não chegue a ser preciso, se ainda houver “tempo” para isso.

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 29/05/2007

quinta-feira, 17 de maio de 2007

“Folie à Deux.”

A “loucura” dos outros também pode ser a nossa “loucura” se não discernirmos que eles estão “loucos”.
Pareceria de óbvia facilidade a contestação da afirmação acima descrita, se ela não se referisse a uma Psicose Induzida. Este tipo de perturbação psicótica, ou de alienação patológica da realidade, surge no encalço secundário de doença, ou seja, é derivada de um elemento patológico primário com ideação delirante que consegue fazer crer a esse segundo (ou mais) elemento(s) que os seus delírios são realidade e não produto psicótico fictício.
Por outras palavras, uma pessoa pode ficar “louca” por acreditar que a “loucura” (delírio) de alguém não o é quando de facto não passa disso.
Esta perturbação reúne as condições necessárias para aparecer quando uma pessoa tem um relacionamento próximo, de longa duração e com níveis elevados de resistência à mudança, com uma outra pessoa que tem uma perturbação psicótica com predomínio de ideação delirante.
Dentro das relações tipo, enquadram-se mais facilmente os casais (ex. marido/ mulher) e as relações familiares (ex. pai/ filho), não querendo dizer que outros tantos tipos de relacionamentos não possam ter as características fundamentais para o desenvolvimento desta doença.
Os conteúdos das ideias delirantes dependem das características de cada doente (primário) e podem ser dos mais diversos, tais como, estar sob vigilância do “SIS”, “ET´s” terem entrado na sua mente controlando-a, existir uma guerra invisível que produz dores de cabeça e diarreia às pessoas, entre tantas outras ideias, tendencialmente bizarras.
O que pode acontecer, por exemplo, é o conteúdo da ideação delirante ser tão credível e bem elaborado que uma pessoa próxima e susceptível à sua influência forte e directa chegar a acreditar durante anos a fio que essas ideias são realidade, corroborando, vivenciando e partilhando assim a “loucura” primária do indutor.



Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 15/05/2007

sexta-feira, 4 de maio de 2007

“Bancos de Esperma.”

A revista francesa “Paris Match” de 29 de Março de 2007 publicou um artigo intitulado “Leur père s’appelle donneur 66” ou em português “O pai deles chama-se dador 66”. Esse artigo relata um grupo de jovens que através da Internet conseguiram descobrir que são todos irmãos, filhos de um mesmo pai, o dador 66.
É de realçar que todos estes jovens (dos EUA) moram numa área que se pode considerar geograficamente próxima, o que de certa forma pode aumentar o risco de consequências desastrosas (pelo menos para aqueles que ainda não descobriram que são irmãos…). Essas consequências são claramente óbvias, basta que se pense que se podem encontrar ou conhecer num qualquer sítio e se relacionarem entre si de forma amorosa, marital, sexual, e outras, e, o resultado (a todos os níveis) desse tipo de relacionamentos incestuosos já todos sabemos qual é (?)…
Uma das questões é saber-se até que ponto a legitimidade legal dos bancos de esperma se sobrepõe às questões éticas e práticas do assunto. Por um lado, a lei em resultado das necessidades e expectativas parentais (e/ ou pré-parentais) daqueles que a todo o custo desejam ter filhos do seu sangue, por outro as consequências de se ter filhos de sangue por este tipo de vias.
Mais uma vez, as consequências mais directas desses actos dos progenitores são dirigidas aos filhos… Repare-se que este ponto de vista da possibilidade de ligações incestuosas derivadas ao desconhecimento familiar será apenas um dos mais diversos aspectos morais a tratar quando começa a existir também a necessidade de se abrir a discussão pública deste tema.
Desde o dador pago para ser pai, ou melhor, pago para ser um número protegido pela lei, até ao desejo normal desses filhos quererem saber quem está por trás daquele número… Desde as consequências possíveis de saberem que o pai é um número e não há nada que possam fazer para não ser apenas isso, alguém que recebeu dinheiro em troca para doar (diferente de dar) o seu esperma, sem pensar, sem olhar para trás, desinteressado em saber quantos e quem são esses seus filhos, até ao facto de um dia alguém descobrir que casou com a própria irmã, ou descobrir que afinal tem 243 irmãos todos a viverem lá por perto…

Mais número, menos número…
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 26/04/2007

sexta-feira, 13 de abril de 2007

“soc.gov.pt”

Parece que é ainda mais grave do que se poderia antever e mais drástica do que se poderia desejar, esta revolução pacífica com que nos deparamos em tons de passividade conjunta e de inutilidade viável em níveis de impotência exacerbados, em hipérboles e outras lindas figuras de estilo, que tão bem servem e tem servido para amenizar os ânimos que não chegaram nunca a estar realmente exaltados.
Neste quadro de expectativas e fontes de emotividade descartadas de sentido realmente empírico é de notar que a quota parte a que de direito se remete aos demais, não se faz sentir como seria óbvio esperar de quem tanto reclama ter direito ao usufruto desse sentido (sentimento) global…
Para ter direitos, para os reclamar de naturalidade inata, há (deveria haver?) que retribuir com os deveres da mesma forma desmesurada com que se consideram incontestáveis os anteriores.
Não mais se pode (deve) esperar de um humano, que não seja isso mesmo… um humano.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 10/04/2007

quinta-feira, 15 de março de 2007

“Estrada (Obs)cura.”

A permanente e natural inconstância/ imprevisibilidade da vida é por norma uma variável que tendemos a (tentar) controlar afim de minimizar os níveis de ansiedade (também naturais) que são provocados por essa fonte de (des)conhecimento que é o “futuro”(?!).
Por palavras meigas ou ditos eufemismos, existe uma forte componente de ligação entre o presente e todo o tipo de previsões, antecipações, prognósticos e tudo o que possa amenizar a insegurança proveniente do vindouro obscuro.
É necessário que se note que esse vindouro obscuro pode por exemplo ser uma (re)interpretação mental do nosso passado, e não pura e simplesmente de etiologia interpretativa de acontecimentos externos ao mundo intrapsíquico que ainda não aconteceram.
Ou seja, o que aconteceu no passado também pode mudar na nossa cabeça no presente (futuro). Não se pode alterar o passado, mas pode mudar-se a forma como se olha para ele.
Já “alguém” à muito tempo que dizia que “um Homem prevenido vale por dois”, pois se houverem procedimentos de previsão/ prevenção de acontecimentos (por exemplo) adversos a propensão para a forma assertiva de se lidar com eles pode aumentar significativamente.
Claro que quando se tratam de questões de tipo mais objectivo (exemplo: “em caso de incêndio, se eu tiver um extintor as possibilidades de eu lidar adequada e eficazmente com essa situação serão em princípio maiores”) as coisas parecem à partida mais claras, não querendo mesmo assim dizer que mais obvias.
Se por outro lado o nível de adversidade imprevista se situar com características mais subjectivas então a prevenção (preparação) pode ser tanto fulcral como insuficiente.
Basta pensar-se que morre alguém que nos é querido de forma interpretada como trágica e inesperada num acidente de viação… Podemos até prever (pensar) que isso é uma possibilidade real, ou seja, que pode de facto acontecer a qualquer momento, mas daí até esse tipo de pensamentos nos fornecer meios e características melhores ou mais adequadas de lidar com uma situação desse género do que se nunca tivéssemos tido esse tipo de pensamentos, vai uma distância algo longínqua.
De qualquer forma, e por muito que tentemos há situações em que a minimização da ansiedade do imprevisto é claramente efémera, pois sentir e vivênciar um “presente” altamente indesejável é em tudo diferente de uma imagética idealizada de uma situação nunca antes vivida.
Ainda por outro lado, isso não significa que os dotes provenientes dessa imagética não sejam úteis mesmo que nalgumas situações evidentemente insuficientes. É bom que se veja que o ser insuficiente não é necessariamente o mesmo que ser inadequado, pois repare-se: “o que é adequado para cada um de nós numa situação de morte de alguém querido de forma inesperada?”.
Devo dizer que se “espera” que o adequado seja que cada um de nós consiga à sua maneira individual viver essa situação dentro de um processo mental padrão de normalidade subjectiva para este tipo específico de luto.
Se achar por bem, se lhe apetecer, se quiser, se puder… contextualize o (des)contextualizado…
“Será que a congruência entre o comportamento, o pensamento e o conhecimento (e outros tantos factores…) atinge mesmo níveis de harmonia não conflituosa?”
“Um fumador espera mesmo morrer de cancro?”
“Para além do controlo social, para que existe (serve) a religião?”
“Acredita mesmo nos degelos ou precisa de ver o mar à sua porta?”
“O que acha que aconteceria se fosse a conduzir o seu veículo automóvel numa auto-estrada portuguesa (por exemplo a A1) e se colocasse na faixa de rodagem da esquerda (ou a mais à esquerda) a uma velocidade constante de 120 km/ hora?”
“Para quantas destas perguntas tem mesmo uma resposta?”
“Se acha mesmo que começou a fazer este pequeníssimo exercício o que é que o(a) impede de continuar?”
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 13/03/2007

quinta-feira, 1 de março de 2007

“(Vi)ver uma outra qualquer.”

Fugir a uma realidade por “vício” na dor é consideravelmente diferente de fugir à dor para não vivenciar determinada realidade percebida como dolorosa. Poderia considerar-se mesmo como o oposto ou o contrário, mas de facto a essência potencialmente patológica tem ainda assim mais de semelhante do que de diferente.
Uma ou outra são formas distintas de lidar com uma realidade indesejável, mas ambas servem para um mesmo efeito, fugir a uma realidade que de tão dolorosa se torna díficil, insuportável ou “impossível” de ser vivida.
Ambos processos se consideram de fuga, pois ambos permitem ao indivíduo alhear-se do que o mundo externo lhes apresenta, distorcendo, inventando, reinventando, revivendo, uma realidade intra-produzida em consonância com a facilitação da necessidade da vivência imediata: “esta realidade é tão dolorosa que é melhor (vi)ver uma outra qualquer”.
Estas pessoas tendencialmente recusam oferir de ajuda, já que essa implica necessáriamente (vi)ver a realidade que excluiram de si, preterindo-a por uma menos má.
Por vezes fixadas nessa “mais fácil de (vi)ver”, não se auto-possibilitam de recursos apropriados que lhes permitam ultrapassar a dita dor que os persegue e que os consome quer seja numa ou noutra, quer queiram, quer não queiram, até fugir não passa de uma ilusão de que isso é uma possibilidade real: “fugir a elas próprias se sempre se acompanham”.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 27/02/2007

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

“Pré-cog.?”

Se houvera “alguém” que de sua prezada dignidade faria o que deveria ter feito ao invés do que mais jeito na altura lhe daria, talvez, e só talvez, a conflituosidade envolvendo essa instância psíquica, a qual se conhece pela que incorpora a dinâmica incutida de valores, se dissipasse em harmonia interior entre as outras duas (instâncias psíquicas).
De forma descodificada, é também a diferença entre o que me disseram que deveria achar (pensar) e as modificações decorridas ao longo da vida dessa teoria incutida de valores. É ainda a diferença entre o que faço e o que acho (penso) que deveria fazer ou ter feito, ou entre o que “alguém” acha ou achou (pensa ou pensou) um dia e o que hoje faço ou fiz até ao dia de hoje.
Essa forma reguladora e regularizada por “alguém” que não nós, acaba por nos pertencer mais do que aos outros?
O comportamento… O meu inconsciente moderado pelo meu sub e dilacerado pela minha consciência, traduzido em acção (?!)… Todas (as instâncias) fazem parte da mesma, a que realmente controla: o inconsciente.
“Alguém” achou por bem introduzir elementos de controlo sob o elemento controlador, pois o medo deste “chefe primitivo” é fundamentado na terrível ameaça que ele em si representa: o ser humano enquanto ser puro e simples animal (?!)…
Calma! Outros animais, tão animais quanto nós têm neles introduzidos esses elementos de controlo… E essa introdução, é feita nos que não são domesticados, pelos seus semelhantes de espécie (e não só)…
Em que queremos ser mais? Em que é que somos mais? Será sequer possível ser mais que alguma coisa?
Uma das expressões mais hilariantes que um “alguém” de nós inventou e que atingiu um sucesso com assinalável conceptualização mítica, é aquela que diz que: “…somos diferentes porque somos seres racionais…”.
O que é ser racional?

Uma autêntica barbaridade, querermos acreditar que somos algo que nunca iremos ser… Um autêntico “falso-self” cultivado no campo social…
Somos mesmo animais racionais?
Pense bem?
Volte a pensar?
“Tente ser tão arrogante como um cão ou tão humilde como um ser humano...”
Se é assim tão racional, porque é que prevalece no cume da hierarquia que dita o comportamento o “chefe primitivo”? Aquele que nos controla e que nós apenas tentamos controlar (!?)…
Parece-me tão claro que o que dominamos de nós próprios é tão pouco que nem nós conseguimos ver (!?) (porque é inconsciente, e isso quer exactamente dizer que não temos acesso a essa informação vinda de nós próprios)…
Essa instância que nos controla verdadeiramente é pré-racional, é pré-cognitiva, é pré-verbal, é um mundo do qual pouco compreendemos e que não nos é possível desmentir ou aniquilar, pois a nossa própria consciência não passa de uma pequena e ínfima parte dela (do inconsciente).
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 23/01/2007

“Como distinguir envelhecimento normal de demência?”

Existe alguma dificuldade natural na distinção do que são as características próprias de um “envelhecimento normal” e de uma “demência”. Mesmo entre os técnicos de saúde cuja competência se apropria a esse efeito, as dificuldades diagnósticas estão presentes. Ainda assim, proponho deixar algumas dicas tipo, no sentido da simplificação e alerta para os que rodeiam e convivem com pessoas propensas a este tipo de confusão de nomenclatura, e/ou confusão entre um tipo de normalidade e de patologia.
Assim, fazem parte das características tipo principais de “envelhecimento normal” o enlentecimento ou lentificação mental, uma diminuição da capacidade de retenção de informação nova, dificuldades para evocar nomes, diminuição da flexibilidade mental e a manutenção da linguagem e da memória remota.
Por outro lado, como características tipo principais de “demência” incluem-se um declínio das funções cognitivas em relação ao nível anterior (alteração e deterioro da memória para registar, armazenar e recuperar informação nova e perda de conteúdos referentes à família e passado; alteração e deterioro do pensamento e raciocínio com redução do fluxo de ideias e problemáticas atencionais, etc.), um défice significativo nas diversas áreas que permitem a execução de tarefas da vida diária (vestir, comer, etc.), “consciência clara” (excepto em alterações episódicas), e, estando esta sintomatologia presente durante pelo menos 6 meses.
Comparando o parágrafo referente às características de “envelhecimento normal” com o referente à “demência” parece certo que a linha de distinção entre os dois conceitos é bastante ténue e até um pouco ambígua. Baseado apenas na descrição anterior encontramos poucas diferenças, sendo que as principais e mais salientes referem que no “envelhecimento normal” mantêm-se a linguagem e a memória remota enquanto que na “demência” ambas estão em princípio sujeitas a alterações e/ou deterioro.
Mas, é necessário fazer perceber que de facto as diferenças vão-se fazendo notar cada vez mais em consonância com a evolução, fase e tipo de “demência”. Mesmo independentemente disso, uma “demência” tem em princípio características fortes e observáveis, tais como, alterações da linguagem, do movimento, da percepção e da execução que não devem estar (em princípio) presentes no “envelhecimento normal” (podendo no entanto estar presentes noutros tipos de patologia que não uma “demência”). Estas alterações levam quase necessariamente a uma alteração do padrão comportamental e relacional anteriores do indivíduo repercutindo-se na vida familiar, social e profissional.
Importa saber que se tem conhecimento de casos com características semelhantes ou parecidas com as aqui descritas, se deve dirigir a um dos 3 profissionais de saúde que são mutuamente necessários para lidar com este tipo de casos, ou seja, um Psicólogo, um Neurologista e um Neuroradiologista. Todos estes 3 profissionais são necessários para fazer um diagnóstico de “demência”, não estando nenhum deles “habilitado” a fazê-lo sozinho.
Já no que diz respeito ao seguimento e/ou tratamento no caso de diagnóstico positivo de “demência”, isso irá depender em grande parte do tipo de “demência” diagnosticada, assim como da fase e evolução da mesma. É neste sentido útil estar atento à sintomatologia indicada para que se possa acompanhar adequadamente o mais cedo possível estes casos, já que de uma forma geral quanto mais cedo for descoberta a patologia melhor será o prognóstico.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 09/01/2007

“Relato de um mundo intra-psíquico.”

É certa e aparentemente mais fácil no imediato retirar a “mão do fogo”… Mais do que isso, é até o mais próximo do que a natureza biológica nos indicia a fazer… Se queima, e dói, porquê deixar arder? E pior, ou mais difícil, porquê procurar a dor?
Repare-se que procurar a dor é notoriamente divergente de provocá-la, isto é, a busca de um sofrimento já existente, e não causar uma nova dor através de uma antiga…
Diga-se que é de todo intencional, esta vasta e agreste dispersão abstracta de frases cujo sentido significante se pretende invocar, através da lacuna propositada de objectividade, permitindo à perspectiva individualizada que se envolva no seu próprio carácter fantasmático e pessoal…
Uma pergunta, embora básica, será: “Estando a minha mão poisada sobre um bico de fogão a gás a arder, o que é que faço primeiro?”…
A dado momento a resposta poderá parecer-lhe tão básica quanto a própria questão… O seu sentido poderá esvanecer-se… Mas, de todo o seu significado sai fora, se a dor que o queima não vai embora, com ou sem bico de fogão….
Chegar ao ponto de não se saber porque está a doer… Simplesmente dói… O sofrimento evitado, camuflado, retraído, recalcado, é agora uma onda permanente de dor que emerge do fundo, de onde foi forçada a ir, quando o que mais “óbvio” era sair desse seu mundo…
É também e ainda a velha história do momento certo… Se nesse momento não se sofre o que há para sofrer (ou se tenta que isso aconteça) o mais certo é vir-se a sofrer de forma abstracta essa dor transformada… Transformada em dor vazia de sentido e significado, baseada num “não sei” permanente de “desesperança”…
A necessidade de um significado para a dor? A necessidade de um próprio significado? Quando se está “aqui”, ou se “acaba”, ou se volta “lá” para se poder “continuar”…

Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 21/11/2006

“Sinais (de ti).”

A avaliação do estado psíquico de alguém por parte de uma qualquer pessoa pode ser fundamental como medida de fonte de encaminhamento. Pode mesmo dizer-se que existe um conjunto de factores de análise que estão ao alcance dos demais, de uma forma simples e até bastante objectiva.
Importa antes de mais, ter uma noção dos conceitos de normal e patológico, que apesar de à priori parecerem demasiado abstractos e relativos, podem tornar-se mais simples e objectivos, se forem seguidos parâmetros específicos de perspectiva.
Normal, dentro do contexto acima descrito, será tudo aquilo que se apresenta dentro de um padrão de norma (para uma cultura, faixa etária e sexo, de forma específica), ou muito basicamente do que é mais habitual/normal de acontecer/existir (dentro dessa cultura, faixa etária e sexo). Pode ainda referir-se como normal, tudo o que foge a esse dito padrão, desde que esse desvio não comprometa ou ponha em causa o “bom” funcionamento do indivíduo nas suas áreas de vida (pelo menos as mais básicas).
Como patológico, pode considerar-se tudo aquilo que foge ao referido padrão de normalidade (e de funcionamento anterior) e que sem qualquer dúvida impede o “bom” funcionamento do indivíduo (de forma “clinicamente” significativa) numa ou mais áreas da sua vida. Pode ainda ser considerado patológico, tudo aquilo que embora não pareça desviar-se do referido padrão, mas que ainda assim afecte de forma negativa e indiscutível o funcionamento “assertivo” dessa pessoa, também numa ou mais das suas áreas de vida.
Ou seja, o que aqui se quer realçar, é que qualquer um de nós pode perceber se uma pessoa está actualmente a funcionar devidamente nas suas mais diversas áreas de vida, ou se pelo contrário esse funcionamento está de certa forma debilitado, desajustado, desequilibrado, deficitário, ou mesmo se não está a funcionar (e se esse “mau” funcionamento por sua vez está a afectar a condição psíquica do indivíduo, e vice-versa). Essas áreas de vida são por exemplo a vida fisiológica (alimentação, o sono, etc.), a vida laboral (ou escolar), a vida amorosa/sexual, a vida familiar, a vida social, entre outras.
Outra questão é a capacidade que quer o próprio, quer os outros têm para fazer de facto uma análise deste tipo, pois a perspectiva idiossincrática do mundo misturada com um determinado tipo de estados psíquicos incapacitantes de olhar a realidade sem que esta se apresente de forma distorcida, pode ser um dos tantos factores que funcionam como entrave à referida análise.
Bom, mas essa análise pretende-se simples, superficial, prática e objectiva (!), para que ela possa cumprir um objectivo de pura e simples pré-avaliação do estado psíquico (no sentido do encaminhamento ao profissional de saúde), dentro da dicotomia do normal versus patológico.
Claro que tornar algo que por natureza ou “defeito” não integra essas características de simplicidade e objectividade na coisa mais fácil do mundo, requer regras para a concepção da própria análise. Regras essas que são muitas das vezes contra natura da própria realidade (ou altamente reducionistas), o que nos poderia fazer pensar que assim: quem é quem dentro da (ir)realidade?!
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 07/11/2006

“SAPO.”

Ora aí está!
A confirmação que todos esperávamos, de que realmente todos os esforços estão a ser feitos no sentido da melhoria permanente do Serviço Nacional de Saúde!
Já podemos dormir todos mais descansados pois dá para perceber que os dinheiros públicos para a saúde estão determinados a ser bem gastos, e, principalmente sempre destinados com base em premissas de valoração da melhoria dos cuidados em si e não com fundamentos meramente economicistas.
É isso mesmo… Agora já não vai mal, simplesmente não vai…
Deixando as dolorosas ironias de lado…
De que poderá valer fundamentar, direccionando as argumentações em etiologias referentes à (por exemplo) necessidade incontestável e incontornável da continuidade de um serviço, porque na realidade a sua existência contribui e implica níveis de qualidade de saúde, se (…): na percepção do pseudo ouvinte dessas argumentações não estão incluídos (reais) parâmetros de qualidade mas sim de quantidade.
“Nós” falamos português e “eles” numa língua inventada à pressão… Então, teremos “nós” que falar uma língua que não é nossa para que possamos ser ouvidos no nosso próprio país?! Ou vamos simplesmente deixar que uma língua nova invada o nosso território, que “eles” se ponham a falar para nós assim?!
O que se passa (não!?) é mais do que a típica demonstração de poder absolutista e elitista, que não pretende ser claro, que tem segundas intenções, que se apresenta numa forma e é realmente outra…
Não é da minha pretensão sustentar uma de tantas “teorias da conspiração”, o que objectivo é a reflexão dirigida à acção, deixar a fantasmática improdutiva e mesmo deficitária substituindo-a por uma realidade mais positiva e mais verdadeira…
Cada “um” que pense por si?!
“Um” que pense por todos?!
“Nós”?! “Eles”?!
Divididos ou não, estamos decididamente sem mais uma ou outra coisa (e com outras tantas a mais) … Nem tudo vai mal, resta saber para quem… Mas como não estou aqui para falar de generalidades, não temos SAP, temos SAPO.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 17/10/2006

“Burlas e burlinhas: mais um conto de fadas psicanalítico.”

“O lobo que veste a pele de cordeiro”, pode e deve ter diversas interpretações, aqui vou focar-me apenas em duas mediante a perspectiva da intencionalidade: o lobo que sabe que é lobo e que veste a pele de cordeiro de forma intencional, e o lobo que pensa que é cordeiro e que veste a pele de cordeiro de forma ingénua (domesticada).
O que é certo é que ambos são lobos e ambos vestem uma pele que não é sua para se poderem “juntar” (aproximar) a um rebanho de potencial alimento. Forma mascarada como parte da metodologia e estratégia de caça no primeiro caso, automatismo etiológico de base genética e réptiliana (instinto sobrevivência). No segundo, a mesma estratégia e o mesmo instinto, mas intragado pela ignorância ingénua proveniente de uma domesticação ou impressão de regras e valores no aclamado sistema psíquico regulador da moral que é o subconsciente.
Com ou sem princípios de moral, ambos não se livram de actuar de forma similar, ou talvez o segundo se retraia (até porque não tem necessidade real de caçar para a satisfação alimentar – comida no prato), ou caso actue fique com problemas ou desenvolva conflitos intrapsíquicos, aquilo a que vulgo se chama culpa ou peso na consciência…
Independentemente disso, os dois têm um desejo inato de oralidade alimentar pelos mesmos cordeiros, os primeiros saciam-se sem problemas de moral e os segundos sentem-se culpados por acharem que fizeram mal (se o fizerem). Afinal de contas, o que está em causa acaba por não ser o que é certo ou errado fazer, mas sim o que se faz. E o que é que fazem os lobos neste conto?
Parece-me que o leitor está inteirado da resposta mais assertiva à questão acima exposta, mas nem tudo é aquilo que parece, ou melhor, o mais comum são as coisas não serem bem aquilo com que se afiguram, tal como o cordeiro que é apenas um lobo. A questão deixou de ser o cordeiro que é apenas um lobo, para passar a ser: que tipo de lobo é aquele cordeiro?
Por muito domesticado que esteja o lobo ingénuo o seu desejo é comer as ovelhas, por muito que esse lobo se queira esquecer do que realmente é não o deixará de ser por causa disso… Ao invés, o lobo que sabe que é lobo, aceita a sua condição de vida, aceita-se a si próprio, até porque ninguém é alguém para julgar se o lobo é mau e o cordeiro é bom… O lobo é “apenas” um lobo, e deve sê-lo como é para não o deixar de ser, no sentido em que a sua existência é tão digna como a de qualquer outro animal.
Bem, a minha função não é defender o direito à existência animal enquanto ser no seu estado selvagem, até porque não é a isso a que me refiro, mas sim o direito à autenticidade que pode ser ou não imbuída de um sistema (simples ou) complexo de valores. Basicamente, ambos os lobos são autênticos, mas apenas um é genuíno.
Voltando aos cordeiros, nem todos servem de alimento imediato, nem isso seria possível, pois para bem da sobrevivência de ambos, haverá sempre mais cordeiros no rebanho do que lobos a atacá-lo. Note-se também, e por muito óbvio que pareça é mesmo assim necessário referir, que os lobos existirão enquanto houver cordeiros, e tanto uns como outros são precisos para ambos (é claro que estou a ser reduccionista na metáfora diminuindo o universo a duas espécies animais, mas para o título serve quase perfeitamente…). Poderão os cordeiros viver sem lobos? (…)
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 19/09/2006

“Dissociação física, dissociação mental…”

Quem me conhece, quase de certeza já me ouviu dizer que se deve “enfrentar os problemas no sentido da sua resolução”. Essa premissa de actuação deve ser altamente contextualizada e adequada assertivamente, e nunca tida como fórmula ou máxima que se aplique a qualquer situação. Mesmo antes disso é necessário compreender as ditas palavras para que não se caia em erros de interpretação que façam com que se exerça o sentido oposto do que à partida seria tido em conta como muito benéfico.
Ou seja, torna-se necessário esclarecer pelo menos que: existem etapas das questões problemáticas cuja dissociação é mais benéfica do que a confrontação, tornando-se assim a dissociação pontual e temporária uma forma assertiva de “enfrentar os problemas no sentido da sua resolução”; os trâmites que caracterizam quer as questões problemáticas e tudo que as envolve, quer o indivíduo, são factores condicionantes para a própria interpretação da premissa referida; por vezes, é necessário conjugar níveis de realidade e de dissociação da mesma, para que se possa sequer chegar a perceber que existe uma ou várias questões problemáticas; e, poderia continuar infindavelmente a referir pontos de referência para a relativização da frase que não deve ser dissociada de um contexto ao qual poderá ter sido aplicada…
Como de costume, de forma a reduzir os níveis teóricos, deve ser dado um exemplo real (com a habitual salvaguarda de confidencialidade)… Uma pessoa com uma psicopatologia, como é o caso da conhecida e vulgarizada depressão, deve sem dúvida reconhecer e enfrentar essa questão problemática no sentido da sua resolução. Ora isso não deve significar necessariamente que essa pessoa dissociar-se dessa problemática seja mau ou bom, útil ou prejudicial, ou qualquer outra classificação que se lhe queira atribuir. Pode significar sim que dissociar-se do problema quando o mais benéfico era enfrentar (confrontar) pode contribuir para o seu agravamento, ou significar que enfrentar o problema quando o mais útil era dissociar pode igualmente contribuir para pelos menos não trabalhar no sentido de uma melhoria. Basicamente, o importante nesta questão está na capacidade de discernimento no sentido de distinguir quais são os momentos para quê. É preciso fazer-se notar que numa “grande parte”(?!) das psicopatologias essa característica fundamental não tem normalmente peso suficiente para influenciar numa decisão que até nem faz parte, dessa parte do inconsciente, que é a consciência…
Parece-me que para quem tinha por objectivo simplificar com um exemplo prático, não fiquei sequer perto de um esclarecimento… mas devo recordar que esse pode ser apenas um objectivo subliminar e dissimulado de um outro maior: a empatia – a capacidade (sobre)humana de nos colocar-mos na posição dos outros.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 06/09/2006

“Hipótese situacional metafórica?”

E se alguém chegasse à sua (legítima) casa com dois ou três guarda-costas e lhe dissesse que a partir daquele momento teria que desocupar a sua residência a bem ou mal?
O que é que faria?
Para onde ia você e a sua família?
Que sentimentos teria perante a situação em si e perante os autores de tal acto?
Pois é, esta é uma hipótese situacional metafórica que tem mais de real do que de fantasia… Será que para além daqueles que sentiram e sentem na pele a inclassificável violação de propriedade (mental), mais ninguém vê o que se passa? Obviamente que cada pessoa está (por defeito) impossibilitada de se dissociar da sua própria construção perceptiva do mundo e de si própria… Mas, essa condição não é impedimento de um esforço empático (e não simpático) que lhe permita ir mais além no que toca à dimensão (pseudo-epistemológica) da perspectiva alheia.
Bem, mas não me quero afastar do tema que é desta vez uma quase pura escolha do leitor, já que a obscuridade da mensagem aparece aqui sob forma de código próprio para que cada um a decifre à sua maneira (como se isso não acontecesse sempre)… Desmistificando, a questão pode muito bem ser: Mas afinal de que se trata a dita “hipótese situacional metafórica”? Pense por si, se quiser… Leia outra vez as primeiras frases em forma de questão, se lhe apetecer… Coloque as suas próprias questões, se lhe aparecer a palavra… porquê(?)…
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 22/08/2006

“Eu Phatos?”

As palavras nem sempre são o que parecem…

Existe um número elevado de pessoas que chegam à consulta psicológica com uma ideia pré-formada sobre qual a patologia que consigo transportam, criada sob diversos fundamentos, desde crenças pessoais até diagnósticos clínicos anteriores.
Algumas das vezes essa ideia (auto) caracterizante corresponde de forma assertiva à realidade existente, sendo assim fonte de ajuste para uma possível implementação terapêutica com potencial de sucesso acrescido. Outras tantas vezes, a referida ideia de si próprio contém um desfasamento entre a realidade percebida e a realidade existente, ou seja, por exemplo pessoas que pensam que têm depressão e que afinal têm um a perturbação da personalidade, pessoas que pensam ter uma ou várias patologias e que afinal não têm nada, e assim sucessivamente.
As consequências de um desajuste deste tipo podem ser todas ou nenhumas (mais vago não poderia ser…), isto é, vai antes de mais depender da interpretação perceptiva mais do que da percepção em si. De qualquer forma, grande parte das ditas consequências estão por norma já implantadas quando chegam à consulta. Quando existe a necessidade de (re)ajustar a realidade desagregada destas pessoas, com ideias concebidas à priori, também aqui as consequências podem ser adjectivadas de mais ou menos “chocantes” consoante o grau de desajuste presente (e dependentemente de toda a complexidade de factores, assim como da existência de entidades patológicas ou não…).
Por palavras meigas, (e apenas como exemplo) existem pessoas que suportam vivências sob forma de crença implantada que não corresponde à realidade em si, a realidade não deixa de existir, mas é substituída por uma outra que não é verdadeira, criando-se em si próprio o perigo da construção de um “falso self”, uma cena psicótica…
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria
, 04/07/2006

“Dicotomia – polo inverso.”

Cabe-me a mim, também a competência da (auto) rectificação complementar, isto é, exercer a capacidade de corrigir o incompleto, completando. De forma menos alheia da luz clarividente, quero referir-me à crónica anteriormente publicada “O que não sofri...”, com a intenção de complementá-la com necessárias fontes de informação, para que a sua compreensão se torne um pouco mais holística.
Nessa crónica o conteúdo mais significante refere que, e de forma talvez simplista e reducionista, “....não é o sofrimento que origina a patologia, mas sim o não vivênciar do mesmo na altura que se pode considerar como mais assertiva.”. Apesar de ter um grau de ambiguidade maior do que o seu grau de precisão, essa afirmação na sua essência de acção, está fundamentalmente no caminho mais acertado.
O que falta referir diz respeito não à conceptualização teórica da informação presente, mas sim à clara omissão do polo inverso da dicotomia implícita (“sofrimento Vs. felicidade”). Quero eu dizer que, no que respeita à essência de acção quer o sofrimento, quer a felicidade funcionam num mesmo tipo de registo neste contexto que aqui é abordado. Ou seja, posso também dizer que, tal como o sofrimento não vivenciado na altura mais assertiva pode ser um dos factores de propensão à psicopatologia, também a felicidade não vivenciada na altura mais assertiva pode ser um desses mesmos factores de origem psicopatológica.
Este texto parece por ora conduzir os leitores para o tema da característica presente em algumas patologias do foro psíquico referida na literatura da especialidade como embotamento afectivo. Mas, neste contexto o embotamento afectivo tal como referenciado na dita literatura não pode ser aplicado, pois significaria ausência de expressão externa de emoções e afectos. De qualquer maneira é de grande dificuldade discernir o que diferencia o embotamento afectivo característica, da falta de assertividade na expressão/ exteriorização afectiva, até porque quer num quer noutro há uma conjuntura de vivência intrapsíquica dos afectos que não dá aso a grandes permissividades de exteriorização.
Para facilitar essa distinção pode dizer-se que no embotamento afectivo clássico (característica) o indivíduo não expressa de forma alguma os afectos para o mundo externo, enquanto que no contexto de não assertividade o indivíduo para além de ter a capacidade de exteriorizar os afectos, é incontornável que o faça, embora eles se apresentem sob formas diferentes daquelas que seriam as mais convenientes para a sua saúde mental.
Deve ser também referido que esta é uma visão que pretende separar conceitos para os compreender, conceitos esses que estão de tal ordem interligados, que seria por bem que os pudesse-mos compreender na sua globalidade conjuntural. Para além disso, como ressalva, pode obviamente ser possível, e de facto acontece, existirem casos em que o embotamento afectivo e a não assertividade afectiva estão presentes em simultâneo.
Como pode então a felicidade não vivenciada na altura mais assertiva ser um factor de propensão à psicopatologia?
A resposta a esta questão está implícita na referida crónica (“O que não sofri...”) e também nesta. Será de grande utilidade para o leitor pensar por si próprio na busca de respostas para si e para o mundo que o rodeia.
O que está implícito (“inconsciente”) será sempre mais explícito (“consciente”) para cada pessoa, se for a própria a achar as respostas que considera mais pertinentes (“subconsciente”) para cada pergunta.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 27/12/2005

“A Primazia da Estabilização.”

A questão da existência de problemáticas do foro psíquico no indivíduo na perspectiva da sua resolução passa pelo quase que inquestionável investimento na descoberta das etiologias fundamentais para o seu aparecimento sintomatológico. Ou seja, torna-se necessário não só aniquilar a existência da sintomatologia, como também tratar os parâmetros que deram origem à sua existência. Isto se o que se pretende tiver em conta uma real resolução da doença e não o simples tratamento dos seus sintomas.
Ora, dizer-se isso parece pelo menos bastante razoável do ponto de vista terapêutico, mas isso é apenas um dos possíveis objectivos últimos a atingir numa terapêutica de carácter psicodinâmico. Quero eu dizer, ou melhor realçar, que embora isso seja de clara importância, é também necessário não descurar objectivos de carácter mais urgente.
De uma forma mais específica é preciso realçar que sem o cumprimento de objectivos intermédios e de características de urgência não será possível cumprir outros tantos objectivos de médio e longo prazo.
É então necessidade primária dar ênfase à estabilização do paciente nos vários sentidos que essa estabilização pode implicar, tais como a estabilização necessária à aquisição de condições psíquicas necessárias à prática da psicoterapia, como a estabilização necessária para o desempenho diário do indivíduo ausente de perigos para o próprio e para os outros que o rodeiam, como a estabilização necessária no sentido de mínima preparação para o sofrimento incontornável resultante da análise etiológica, e tantos outros motivos que a tornam tão pertinente.
Basicamente, e a título exemplificativo, de nada vale uma perspectiva de análise etiológica se entretanto o paciente se matar. Isto não quer porém dizer que se deve tratar de uma forma simplista e primária a sintomatologia da doença, aniquilando-a. Até porque por norma se isso se fizer nessa perspectiva a tendência é para esses sintomas se revelarem sob outras formas. E, muitas das vezes a única forma de eles não se transformarem noutras coisas (continuando sintomas da mesma doença) é através da resolução da doença em si e não do foco sintomático.
O que realmente aqui se quer deixar bem claro, é que independentemente da resolução da doença e dos seus componentes sintomáticos, é necessário dar primazia à estabilização do paciente para que seja então possível atacar a doença com níveis de segurança mais aceitáveis.
Descurar a estabilização em prol de uma análise directa e de um ritmo psicoterapêutico sem assertividade e adequação pode custar desde a ineficácia e ineficiência da terapia em si até a consequências alheias à terapia de prejuízo extremo para o paciente.
Crónicas da Mente Esquecida, por João Castanheira
in Jornal de Albergaria, 14/12/2005